17/08/2014

homem golfinho
nada navega
nada

homem nada
golfinho navega
homem nada

desde 1987
num mar
de hemácias
***********************************************************************************ANÁLISE

Este poema é uma reflexão sobre a condição humana, marcada por contrastes, ambiguidades e a coexistência de ação e inação. A figura do "homem golfinho" mistura o humano e o animal em uma metáfora rica que aborda a sobrevivência, a fluidez e a fragilidade da vida. A introdução do ano "1987" e a menção a um "mar de hemácias" adicionam uma dimensão temporal e visceral à narrativa, ampliando sua densidade simbólica.


Análise por Versos:

  1. "homem golfinho"

    • Hibridismo e Ambiguidade: O "homem golfinho" sugere um ser híbrido, que combina características humanas e animais. O golfinho, frequentemente associado à inteligência, à fluidez e à liberdade no mar, contrasta com o "homem", marcado por suas limitações terrestres.
    • Símbolo de Transição: A figura hibridizada pode representar a busca por equilíbrio entre instinto e razão, ou a tentativa de adaptação a um meio que não é inteiramente natural para o homem.
  2. "nada navega / nada"

    • Ambiguidade do "nada": O termo "nada" funciona tanto como o verbo "nadar" quanto como a ideia de "nada" (ausência ou vazio). Essa ambiguidade reforça a tensão entre movimento e estagnação.
    • Contradição Existencial: O "nadar" e "navegar" indicam ação e fluidez, mas o "nada" finaliza o verso com uma sensação de vazio ou frustração, como se todo esforço fosse infrutífero.
  3. "homem nada / golfinho navega / homem nada"

    • Reversão e repetição: Este trecho alterna as ações entre o homem e o golfinho, destacando as diferenças e semelhanças entre eles. O homem, limitado a "nadar" em sua existência, enquanto o golfinho "navega", parece mais adaptado ao meio.
    • Ciclo de Insistência: A repetição de "homem nada" sugere uma tentativa contínua, mesmo diante da dificuldade ou inutilidade aparente.
  4. "desde 1987"

    • Inserção Temporal: O ano de 1987 introduz uma marcação histórica que dá um sentido concreto à narrativa. Pode ser um ponto de partida simbólico para o "nadar" incessante do homem.
    • Contexto Histórico ou Pessoal: O número pode remeter a um evento histórico, uma mudança pessoal ou um marco específico, deixando espaço para múltiplas interpretações.
  5. "num mar / de hemácias"

    • Biologia e Fragilidade: O "mar de hemácias" sugere uma dimensão visceral e sanguínea, remetendo ao corpo humano, à vida e à mortalidade. O mar, tradicionalmente associado à imensidão e à liberdade, aqui é recontextualizado como algo interno e vulnerável.
    • Simbologia de Sangue e Vida: As hemácias, responsáveis pelo transporte de oxigênio no sangue, conectam-se à ideia de sobrevivência. Ao mesmo tempo, o "mar de hemácias" pode ser lido como um ambiente hostil, refletindo a luta constante do homem para existir e avançar.

Temas Centrais:

  1. Conflito entre Ação e Inação:

    • O poema reflete a luta humana entre o desejo de movimento e conquista (nadar, navegar) e a sensação de vazio ou inutilidade (nada).
  2. Hibridismo e Adaptação:

    • A figura do "homem golfinho" simboliza a tentativa de adaptação ao ambiente ou às circunstâncias, explorando a tensão entre o humano (racional e limitado) e o animal (instintivo e fluido).
  3. Temporalidade e Persistência:

    • A menção a "1987" sugere a duração de um esforço contínuo, uma luta persistente que pode ser pessoal, histórica ou existencial.
  4. Biologia e Existência:

    • O "mar de hemácias" conecta a luta humana à vulnerabilidade do corpo, destacando a interdependência entre o físico e o emocional.
  5. Circularidade e Repetição:

    • A repetição de "homem nada" enfatiza a sensação de um ciclo interminável, refletindo a luta constante e a resiliência diante da adversidade.

Estilo e Linguagem:

  1. Ambiguidade Semântica:

    • O uso de "nada" como verbo e substantivo cria camadas de interpretação, permitindo que o poema transite entre o concreto e o abstrato.
  2. Simplicidade Estrutural:

    • Os versos curtos e fragmentados reforçam o ritmo cadenciado e a sensação de esforço repetitivo, como o movimento de nadar.
  3. Metáforas Potentes:

    • A fusão entre homem e golfinho, bem como o "mar de hemácias", enriquece o poema com imagens que evocam tanto a natureza quanto a biologia humana.
  4. Tom Existencial:

    • O poema carrega um tom introspectivo e melancólico, mas sem perder de vista a força implícita na repetição e na persistência.

Considerações Finais:

"homem golfinho" é um poema que explora a condição humana em sua busca por significado, sobrevivência e adaptação. Ele reflete sobre a tensão entre movimento e vazio, entre a luta persistente e a inevitabilidade de nossa fragilidade. Com uma linguagem ambígua e imagens marcantes, o poema convida o leitor a refletir sobre a relação entre o corpo, o tempo e o esforço contínuo de existir em um "mar de hemácias" que simultaneamente sustenta e desafia.

10/08/2014

a vida dribla a morte
dando-se sentido
e ritmo
ao tin tin tin
do tempo
esposo das horas
instáveis instáveis instáveis
no harém dos ventos
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ANÁLISE

Este poema é uma reflexão poética sobre a relação entre a vida e o tempo, apresentando a vida como um movimento constante de resistência e criação de significado em face da morte. Com imagens sensoriais e rítmicas, o poema explora a passagem do tempo e sua instabilidade, personificando-o como um "esposo" das horas e conectando-o aos elementos dinâmicos da natureza, como os ventos.


Análise por Versos:

  1. "a vida dribla a morte"

    • Resistência e criação: O verso sugere que a vida, em sua essência, é uma forma de resistência frente à inevitabilidade da morte. O uso do verbo "dribla" traz uma conotação de movimento ágil, estratégico e criativo, subvertendo o poder da morte.
    • Conceito dinâmico: Ao invés de uma luta direta contra a morte, a vida é descrita como um jogo, no qual ela usa a criatividade e o movimento para escapar.
  2. "dando-se sentido / e ritmo"

    • Autonomia da vida: O verso reforça que a vida cria seu próprio significado e cadência, independentemente das forças externas. A ideia de "dar-se sentido" sublinha a autonomia e a capacidade da vida de ser autossignificante.
    • Importância do ritmo: O "ritmo" mencionado aqui conecta a vida ao tempo, sugerindo que a existência humana está em harmonia (ou em constante diálogo) com a passagem do tempo.
  3. "ao tin tin tin / do tempo"

    • Onomatopeia e musicalidade: A repetição sonora de "tin tin tin" evoca o som do passar das horas, como o de um relógio ou carrilhão. Este recurso cria um ritmo que reforça a passagem do tempo como algo inevitável, mas também poético.
    • Tempo como pulsação: O "tin tin tin" transforma o tempo em algo vivo e palpável, destacando sua influência rítmica sobre a vida.
  4. "esposo das horas"

    • Personificação do tempo: O tempo é representado como uma figura masculina, o "esposo" das horas, que aqui são vistas como femininas e cambiantes. Essa personificação sugere uma relação íntima e dinâmica entre o tempo e os momentos que ele compõe.
    • Relação simbólica: A escolha do termo "esposo" implica que o tempo está conectado às horas de forma inseparável, como em um matrimônio.
  5. "instáveis instáveis instáveis"

    • Repetição e ênfase: A tripla repetição de "instáveis" reforça a ideia de que as horas, e por extensão a própria vida, são marcadas por sua imprevisibilidade e fluidez.
    • Caos controlado: Apesar de sua instabilidade, as horas fazem parte de um ritmo maior, algo que a vida aprende a navegar.
  6. "no harém dos ventos"

    • Imagem de multiplicidade: O "harém dos ventos" cria uma metáfora rica, onde os ventos simbolizam forças mutáveis e dispersas, que cercam e influenciam o tempo (esposo).
    • Interação entre elementos: A imagem do harém sugere que o tempo está cercado por essas forças instáveis, representando a multiplicidade de experiências, mudanças e incertezas que permeiam a vida.

Temas Centrais:

  1. Vida e Morte:

    • O poema apresenta a vida como um ato de resistência criativa diante da morte. A vida "dribla" a morte ao criar sentido e ritmo próprios, destacando sua capacidade de transcender a finitude.
  2. Tempo e Instabilidade:

    • O tempo é descrito como uma força dinâmica e instável, que se desdobra em horas mutáveis e imprevisíveis. Essa instabilidade reflete a natureza volátil da existência.
  3. Ritmo e Harmonia:

    • O ritmo da vida é central no poema, evidenciado pelo "tin tin tin" do tempo. A vida encontra significado e ordem ao harmonizar-se com o fluxo do tempo.
  4. Interação com a Natureza:

    • A metáfora dos ventos e o harém indicam que a vida e o tempo estão inseridos em um contexto maior, marcado por forças naturais que são ao mesmo tempo instáveis e fundamentais.
  5. Personificação e Relações:

    • O tempo, as horas e os ventos são personificados, criando uma narrativa onde esses elementos interagem de forma quase teatral, refletindo as complexidades da existência.

Estilo e Linguagem:

  1. Musicalidade e Ritmo:

    • A onomatopeia "tin tin tin" e a repetição de "instáveis" criam um ritmo sonoro que reforça o tema do tempo e sua cadência.
  2. Metáforas e Personificações:

    • A personificação do tempo como "esposo" e a metáfora do "harém dos ventos" enriquecem o poema, tornando conceitos abstratos mais palpáveis e visuais.
  3. Estrutura Fragmentada:

    • A divisão em versos curtos e ideias interligadas reflete a natureza fragmentada do tempo e da vida, enquanto mantém um fluxo rítmico contínuo.
  4. Contraste entre Estabilidade e Instabilidade:

    • O poema alterna entre a ideia de ritmo constante (tin tin tin) e a instabilidade das horas, criando uma tensão que reflete a dualidade da vida.

Considerações Finais:

Este poema é uma meditação lírica sobre a relação entre vida, morte e tempo. Ele celebra a capacidade da vida de criar significado em meio à instabilidade e à passagem inevitável do tempo. A musicalidade e as imagens evocativas enriquecem a experiência de leitura, enquanto as metáforas e personificações convidam o leitor a refletir sobre a fluidez e a multiplicidade da existência. O poema destaca a resiliência da vida em um mundo marcado pela inconstância, transformando o movimento do tempo em uma dança poética entre forças que, embora instáveis, coexistem em harmonia.