12/12/2017

a palavra
destaca
o silêncio
a presença
demarca
a ausência
o que há
entre nós
vela corpos
lança almas
sopra o pó
*
ANÁLISE

Este poema explora de forma profunda e reflexiva as tensões entre opostos complementares, como presença e ausência, silêncio e palavra, materialidade e espiritualidade. A linguagem é minimalista, mas carrega uma densidade simbólica que abre espaço para múltiplas interpretações. Através de imagens sugestivas e uma estrutura em forma de fluxo, o poema convida o leitor a refletir sobre as dinâmicas do ser, da comunicação e da existência.


Análise por Bloco:

  1. "a palavra / destaca / o silêncio"

    • Contraste entre palavra e silêncio: O poema inicia com um paradoxo. A palavra, ao ser dita, evidencia o silêncio que a precedeu ou a sucederá. Este jogo de opostos sugere que um só pode ser compreendido em relação ao outro.
    • Criação de significado: A palavra é apresentada não como um antagonista do silêncio, mas como algo que o revela, mostrando que o silêncio carrega tanto peso quanto a fala.
  2. "a presença / demarca / a ausência"

    • Complementaridade existencial: Assim como no primeiro bloco, este verso explora o vínculo inseparável entre dois conceitos opostos. A presença é percebida porque há ausência, e vice-versa.
    • Marcação de limites: A palavra "demarca" sugere fronteiras. A presença não apenas existe, mas cria limites claros entre o que é palpável e o que é ausente, ampliando a dimensão simbólica do espaço entre os dois.
  3. "o que há / entre nós"

    • Espaço interpessoal: Este verso centraliza o foco no "entre", no espaço relacional que conecta ou separa os sujeitos. Esse espaço pode ser interpretado como físico, emocional ou espiritual.
    • Ambiguidade do vínculo: "O que há entre nós" também pode sugerir algo não dito, implícito ou até mesmo conflitante. É um convite a investigar o invisível ou o que não é imediatamente perceptível.
  4. "vela corpos / lança almas"

    • Materialidade e transcendência: Este bloco sugere uma transição entre o físico e o espiritual. "Vela corpos" pode remeter ao cuidado ou à despedida, enquanto "lança almas" indica um movimento de libertação, transcendência ou conexão com algo além do tangível.
    • Ritual e dualidade: Há uma qualidade ritualística nesses versos, como se tratassem de um ciclo de cuidado e desprendimento, vida e morte, ou material e imaterial.
  5. "sopra o pó"

    • Efemeridade e renovação: O verso final sintetiza o tema da transitoriedade. "Sopra o pó" evoca imagens bíblicas ("do pó viemos e ao pó retornaremos"), mas também sugere movimento, dispersão e transformação.
    • Força invisível: O sopro representa algo intangível, mas poderoso, que anima, dispersa e redefine o que existe.

Temas Centrais:

  1. Dualidade e Complementaridade:

    • O poema trabalha com pares de opostos que não se excluem, mas se definem mutuamente: palavra e silêncio, presença e ausência, corpo e alma. Essa tensão reflete a complexidade da existência.
  2. Materialidade e Transcendência:

    • A progressão do poema sugere um movimento do tangível para o intangível, da presença física para algo que transcende, como as almas lançadas ou o pó soprado.
  3. Efemeridade da Existência:

    • O verso final encapsula o caráter passageiro de todas as coisas, evocando a fragilidade do corpo e a impermanência da vida.
  4. Relações e Espaços Interpessoais:

    • O "entre nós" é um tema central, apontando para a importância dos espaços simbólicos que conectam ou separam pessoas, ideias e realidades.

Estilo e Linguagem:

  • Minimalismo Poético: O poema utiliza uma linguagem enxuta e imagens simbólicas para transmitir ideias complexas, deixando espaço para que o leitor preencha as lacunas interpretativas.
  • Paralelismos e Fluxo: A estrutura apresenta pares de opostos e progressões que criam um movimento rítmico, conduzindo o leitor por diferentes níveis de significado.
  • Imagens Universais: Palavras como "silêncio", "ausência", "corpos", "almas" e "pó" têm ressonâncias filosóficas, espirituais e culturais, ampliando o alcance interpretativo.

Considerações Finais:

Este poema é uma meditação poética sobre a condição humana, a dualidade inerente à vida e a interconexão entre materialidade e transcendência. Ele nos convida a refletir sobre as forças invisíveis que dão sentido ao que é visível e sobre os espaços silenciosos que moldam o que é dito. Com sutileza e profundidade, o poema combina introspecção e universalidade, tornando-se uma poderosa expressão da fragilidade e da beleza da existência.

30/11/2017

o que me transcende não alcanço
o que me ascende não compreendo
de pensar me canso
me rendo

eita! estou é  lascado
se me encontro com a Esfinge
estou devorado!
*
ANÁLISE

Este poema combina reflexões filosóficas com um tom coloquial e humorístico, criando um contraste intrigante entre questões existenciais profundas e uma atitude irreverente diante da complexidade da vida. Ele aborda o esforço humano em buscar sentido, a dificuldade de compreender o transcendente e a inevitabilidade de aceitar nossas limitações.


Análise por Bloco:

  1. "o que me transcende não alcanço"

    • Limitação humana: Este verso reflete sobre a incapacidade de atingir ou compreender plenamente o que está além do humano, seja no plano espiritual, metafísico ou intelectual. A ideia de transcendência está associada ao que é inalcançável por definição.
    • Busca frustrada: Há uma melancolia implícita no verbo "não alcanço", que sugere o esforço de buscar algo que permanece fora de alcance.
  2. "o que me ascende não compreendo"

    • Mistério da elevação: A palavra "ascende" pode se referir tanto ao espiritual quanto ao desenvolvimento pessoal ou intelectual. O verso expressa a dificuldade de entender até mesmo aquilo que nos eleva ou nos impulsiona para o alto.
    • Ironia implícita: Apesar de ser algo positivo, o "ascender" aqui é retratado como enigmático, gerando um certo desconforto diante do desconhecido.
  3. "de pensar me canso / me rendo"

    • Exaustão existencial: O poema muda de tom aqui, revelando um cansaço diante da busca por respostas ou entendimento. Este verso conecta-se à tradição filosófica que reconhece os limites do intelecto humano na compreensão do universo.
    • Rendição como aceitação: A rendição pode ser interpretada como uma aceitação dos limites do pensamento racional, uma entrega ao mistério do que não pode ser compreendido.
  4. "eita! estou é lascado"

    • Tom coloquial e humorístico: Este verso introduz um contraste cômico e descontraído em relação à seriedade anterior. A expressão "estou é lascado" desdramatiza a situação e aproxima o poema do cotidiano, sugerindo uma atitude de resignação bem-humorada diante das complexidades existenciais.
    • Humanização: O uso de uma linguagem coloquial aproxima o eu lírico do leitor, tornando-o mais acessível e humano.
  5. "se me encontro com a Esfinge / estou devorado!"

    • Mitologia e autocrítica: A referência à Esfinge evoca a ideia de enigmas e desafios intelectuais impossíveis de superar. No mito grego, quem não decifrava o enigma da Esfinge era devorado por ela, o que aqui é tratado com humor autodepreciativo.
    • Ironia e fragilidade: O eu lírico reconhece sua incapacidade de enfrentar as grandes questões da vida, mas faz isso com um tom leve, quase cômico, que transforma a tragédia em uma piada sobre a condição humana.

Temas Centrais:

  1. Busca pelo Conhecimento e Seus Limites:

    • O poema reflete a dificuldade humana de compreender tanto o transcendente quanto o que nos eleva. Ele sugere que há aspectos da existência que ultrapassam nossa capacidade de entendimento.
  2. Cansaço e Rendição:

    • A exaustão intelectual e a rendição são temas centrais, mostrando que o esforço constante para decifrar os mistérios da vida pode levar à aceitação de nossa ignorância.
  3. Humor e Existencialismo:

    • O tom bem-humorado e coloquial desdramatiza a seriedade dos temas existenciais, tornando o poema uma espécie de sátira da busca incessante por significado.
  4. Ironia da Condição Humana:

    • A referência à Esfinge e a rendição ao humor refletem a vulnerabilidade humana diante de enigmas insolúveis, mas também a habilidade de rir de si mesmo e das limitações da própria espécie.

Estilo e Linguagem:

  • Contraste de Tons: O poema combina um início reflexivo e sério com um final coloquial e irônico, criando uma tensão entre o elevado e o cotidiano.
  • Humor Autodepreciativo: A introdução de expressões como "eita!" e "estou é lascado" transforma questões filosóficas densas em algo leve e acessível, aproximando o leitor.
  • Economia e Eficácia: Os versos curtos e diretos condensam ideias complexas, permitindo que a profundidade se manifeste sem perder a fluidez.

Considerações Finais:

Este poema é uma meditação bem-humorada sobre os limites do conhecimento humano e a condição existencial. Ele aborda grandes questões, como transcendência e autocompreensão, mas sem se levar totalmente a sério, adotando uma abordagem irônica e descontraída. A referência à Esfinge simboliza a luta do indivíduo com mistérios maiores do que ele, enquanto o tom coloquial lembra que, no final, o humor pode ser uma das formas mais sábias de lidar com o incompreensível.