30/10/2019

Coluna ereta, cervical
Parede branca, à cal
ZaZen é natal
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Análise:
Este poema curto combina elementos de descrição concreta, simplicidade estrutural e profundidade espiritual, criando uma atmosfera meditativa que remete à prática do zazen (meditação sentada do Zen Budismo). Ele apresenta um encontro entre o físico, o simbólico e o espiritual, convergindo para uma reflexão sobre presença e renascimento.

Análise por Verso:

  1. "Coluna ereta, cervical"

    • Foco corporal: O verso inicial descreve uma postura física, elemento essencial na prática do zazen. A coluna ereta simboliza alinhamento e equilíbrio, tanto físico quanto mental.
    • Centralidade da corporalidade: Ao destacar "cervical", o poema enfatiza a conexão entre corpo e mente. No zazen, a postura é tanto uma preparação para a meditação quanto uma expressão dela.
    • Simplicidade objetiva: A linguagem direta reflete o minimalismo do Zen, onde o simples gesto contém toda a essência da prática.
  2. "Parede branca, a cal"

    • Ambiente externo: A parede branca, frequentemente associada ao espaço vazio ou ao não-ornamentado, simboliza o despojamento do Zen. Ela é o pano de fundo silencioso e neutro, permitindo ao meditante voltar-se para dentro.
    • Purificação e simplicidade: A menção à "cal", material usado para pintar paredes, reforça o simbolismo da limpeza, da renovação e da simplicidade do espaço meditativo.
    • Interpretação simbólica: A "parede branca" também pode aludir ao vazio pleno do Zen, onde todas as possibilidades surgem no estado de não-conceitualidade.
  3. "ZaZen é natal"

    • Zazen como renascimento: O último verso conecta a prática meditativa ao conceito de natalidade ou renascimento espiritual. No zazen, há a possibilidade de um "nascer de novo" a cada instante, pela atenção plena e pelo encontro com a natureza original.
    • Natal e espiritualidade: A palavra "natal", com sua conotação de nascimento e celebração, sugere um momento de renovação e plenitude. No contexto do Zen, é um nascimento contínuo, em que cada instante é um novo começo.
    • Conclusão metafísica: Este verso finaliza o poema conectando o físico e o material aos aspectos transcendentes do zazen.

Estrutura e Estilo:

  • Concisão e economia de palavras: O poema reflete a essência do Zen, que privilegia a simplicidade e a profundidade em poucos elementos.
  • Ritmo cadenciado: A estrutura em três versos reflete a tríade corpo-mente-espírito, sendo cada linha uma camada dessa integração.
  • Fusão de descrição e simbolismo: O uso de elementos concretos (corpo, parede, cal) enraíza o poema no mundo físico, enquanto o último verso o eleva ao plano espiritual.

Temas Centrais:

  1. Prática e Presença: O poema destaca a importância da postura e do ambiente no zazen, mas também sugere que esses elementos são mais do que físicos; eles são caminhos para a transcendência.
  2. Renascimento Espiritual: O zazen é apresentado como uma prática de renovação contínua, em que cada momento é uma oportunidade para começar de novo.
  3. Simplicidade e Essência: A escolha de imagens simples, como a parede branca, evoca o despojamento característico do Zen, que busca ir além das distrações e ornamentos da mente.

Considerações Finais:

O poema sintetiza, com leveza e profundidade, a experiência meditativa do zazen, conectando o físico e o espiritual de forma íntima e essencial. Ele é uma celebração da presença plena, do vazio fértil e do constante renascer que a prática proporciona.

Estranho fruto
O enforcado
Por muitos cultivado
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Este poema, apesar de sua concisão, é carregado de simbolismo e peso emocional. Ele evoca imagens poderosas e provoca reflexões profundas sobre violência, injustiça e a perpetuação de sistemas opressivos. A escolha cuidadosa das palavras e a referência implícita ao contexto histórico e social tornam-no um exemplo notável de densidade poética.

Análise por Verso:

  1. "Estranho fruto"

    • Imagem metafórica: A expressão "estranho fruto" sugere algo ao mesmo tempo familiar e perturbador, pois a ideia de "fruto" é geralmente associada à vida, crescimento e nutrição. No entanto, o adjetivo "estranho" desestabiliza essa conotação positiva.
    • Referência histórica: Este verso remete ao poema "Strange Fruit" de Abel Meeropol, popularizado na canção de Billie Holiday, que denuncia os linchamentos de afro-americanos nos Estados Unidos. Os corpos pendurados nas árvores eram descritos como "frutos estranhos", uma imagem chocante e devastadora.
    • Ambiguidade simbólica: O "fruto" pode também simbolizar o resultado de um sistema ou cultura que cultiva a violência e o ódio, sugerindo uma ligação direta entre ação humana e consequência histórica.
  2. "O enforcado"

    • Foco na vítima: Este verso centraliza a figura do enforcado, dando um rosto humano à abstração inicial. O poema transita de uma imagem metafórica para uma concreta, trazendo o leitor à realidade da violência.
    • Simbolismo da morte: O enforcamento é uma forma de execução que carrega conotações de brutalidade, humilhação pública e injustiça, frequentemente usada como instrumento de controle social.
    • Peso do silêncio: A ausência de adjetivos ou descrições adicionais para o enforcado reforça a universalidade da figura. Ele não é apenas um indivíduo, mas uma representação de todas as vítimas de violência sistemática.
  3. "Por muitos cultivado"

    • Responsabilidade coletiva: Este verso desloca a atenção para os agentes responsáveis. A palavra "cultivado" implica que a violência e a injustiça não são atos isolados, mas sim frutos de ações contínuas, intencionais e sustentadas por um grupo ou sociedade.
    • Ironia do cultivo: O uso da metáfora agrícola para descrever a perpetuação da violência cria uma forte ironia. Assim como se cultiva uma planta para gerar frutos, a violência é "alimentada" e mantida por práticas, ideologias e estruturas sociais.
    • Crítica implícita: O poema critica a cumplicidade passiva ou ativa de muitos na perpetuação de sistemas de opressão, chamando atenção para a responsabilidade compartilhada.

Temas e Reflexões:

  1. Violência e Injustiça: O poema aborda de forma direta a brutalidade de práticas como o linchamento e a execução pública, representando-as como frutos amargos de uma sociedade corrompida.
  2. Culpa Coletiva: Ao usar "por muitos cultivado", o poema não aponta apenas para perpetradores diretos, mas também para todos que permitem ou perpetuam sistemas violentos, seja por conivência, apatia ou apoio ativo.
  3. Ciclos de Opressão: A metáfora do "cultivo" sugere que a violência é algo construído ao longo do tempo, exigindo ação deliberada para romper esses ciclos.

Estilo e Linguagem:

  • Concisão: O poema utiliza poucas palavras para transmitir uma mensagem poderosa, explorando ao máximo a força das metáforas e do subtexto.
  • Impacto emocional: A imagem do "estranho fruto" é visceral e perturbadora, evocando um impacto imediato no leitor.
  • Ironia amarga: A associação entre o ato de "cultivar" e a violência cria um contraste perturbador, que obriga o leitor a refletir sobre as raízes culturais e históricas da injustiça.

Considerações Finais:

Este poema é uma meditação sombria sobre a violência sistêmica e a responsabilidade coletiva. Ele combina simplicidade formal com profundidade temática, explorando a tensão entre a metáfora e a realidade concreta. Ao evocar imagens tão poderosas e carregadas de história, o poema desafia o leitor a confrontar tanto as consequências da violência quanto sua própria posição diante de estruturas de opressão.