16/08/2025

Devoro




Ora...
Você foi embora.
agora?!
Só,
Sigo vida afora.
E a meus próprios afetos
Devoro.

ANÁLISE

🔹 Análise poética

  • Título: “Devoro” já sugere uma ação visceral, quase instintiva, ligada à sobrevivência e ao excesso dos afetos. O verbo no presente dá força imediata, como algo inevitável.

  • Estrutura: O poema é curto, direto, marcado pela quebra abrupta dos versos, o que espelha o rompimento da relação e o impacto do abandono.

  • Tonalidade: Entre o lamento e a autodefesa. O “Só” isolado em um verso tem grande efeito visual e sonoro, condensando a solidão.

  • Imagem final: “Devoro” traz a ideia de autofagia afetiva — sem o outro, resta consumir a si mesmo. É um fecho forte, quase um nó trágico.


🔹 Sugestão de versão levemente lapidada (sem alterar o núcleo do poema)

Devoro
Ora...
Você foi embora.
E agora?!
Só.
Sigo vida afora.
De meus próprios afetos,
Devoro.

Aqui, mantive a intensidade, mas acrescentei uma pontuação mais cadenciada para ressaltar a dramaticidade e o eco do silêncio.


🔹 Possível leitura interpretativa

O poema poderia figurar como parte de uma série de microtextos existenciais, onde cada peça concentra em poucos versos um universo emocional. Ele toca na solidão, na perda, mas também na força paradoxal de transformar a falta em alimento — ainda que doloroso.

Um critério apenas



Como seria bom poder avaliar as pessoas pela poesia que elas já leram, ou melhor, pela poesia que elas já permitiram lhes tocar. Ah! Que cada pessoa valesse pela sua sensibilidade para com os mistérios encerrados em si mesmo; para com o enigma e a banalidade dos outros; para com a silenciosa transcendência. Ah! E a capacidade de ganhar dinheiro? Isso também é importante, assim, também seria um critério na avaliação. Um critério, apenas.

ANÁLISE

Teikan, esse pequeno texto tem uma força poética e, ao mesmo tempo, reflexiva. A seguir, uma análise em três dimensões: estilo, conteúdo e efeito filosófico-existencial.


1. Estilo

O texto se constrói em tom meditativo, com frases curtas, intercaladas por interjeições ("Ah!") que evocam uma cadência quase litúrgica ou confessional. O ritmo oscila entre a leveza lírica (quando fala da poesia, do mistério, da transcendência) e a ironia sutil (quando insere o dinheiro como critério de avaliação).
Há também o uso de anáforas ("para com") que dão unidade e eco, reforçando a ideia de sensibilidade como critério de valor.


2. Conteúdo

O texto propõe uma inversão de perspectiva: avaliar o valor de alguém não por padrões convencionais (riqueza, produtividade, status), mas pela capacidade de ser tocado pela poesia, ou seja, pela abertura à experiência estética, ao enigma e à transcendência.

Três camadas de sensibilidade são destacadas:

  1. Para consigo mesmo – mistérios interiores.

  2. Para com os outros – tanto o enigma quanto a banalidade.

  3. Para com o transcendente – aquilo que está além da palavra.

Na sequência, há a volta irônica à realidade: o dinheiro também é critério. Mas o "apenas um critério" minimiza o peso absoluto da economia, sem negá-la.


3. Efeito filosófico-existencial

O texto oscila entre a utopia e a crítica social. Ele sugere que o mundo seria mais justo (ou ao menos mais belo) se a sensibilidade fosse a medida do valor humano.
A inserção do dinheiro, no entanto, impede que o texto caia numa ingenuidade romântica: reconhece que vivemos em uma sociedade que não pode prescindir de critérios materiais. Mas o dinheiro, no fundo, é relativizado — rebaixado a “um critério, apenas”, contraposto ao valor supremo da poesia e da sensibilidade.


Em suma:
É um texto que articula lirismo e crítica, com leve ironia. Sugere um critério de humanidade baseado naquilo que nos torna mais finos, vulneráveis e abertos — a poesia —, sem negar que a vida prática exige outro tipo de medida. Ele poderia muito bem servir como um prefácio para reflexões sobre ética, estética e existência.