24/11/2011

Por encquanto


Meretriz. Medicatriz
‑ incantare... incantatore... Encanteria!
: Meretriz Mediatriz...

Por encanto... Puro encanto... Por enquanto!

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Análise:

O poema "Meretriz. Medicatriz" explora o jogo entre palavras, sons e significados, criando uma atmosfera encantatória e misteriosa. Ele transita entre a sensualidade, a cura, o encantamento e a temporalidade, sugerindo uma reflexão sobre o poder da linguagem e sua capacidade de transformar percepções e realidades.


Análise por Versos:

  1. "Meretriz. Medicatriz"

    • Dualidade e contraste: O poema começa com a justaposição de "Meretriz" (associada à sensualidade, à prostituição e, simbolicamente, à transgressão) e "Medicatriz" (associada à cura e ao cuidado). Essa combinação cria um contraste entre o profano e o sagrado, entre o corpo e a alma.
    • Ambivalência feminina: As palavras podem ser lidas como representações simbólicas da mulher, vista tanto como fonte de prazer quanto como agente de cura.
  2. "‑ incantare... incantatore... Encanteria!"

    • Efeito de encantamento: O uso de palavras de origem latina e seu desdobramento até "Encanteria" cria um ritmo mágico e musical. "Incantare" (encantar) e "incantatore" (aquele que encanta) remetem ao poder da magia e da sedução.
    • Ritualização da linguagem: A repetição e variação das palavras sugerem um feitiço ou encantamento, reforçando o tom místico e poético do texto.
  3. ": Meretriz Mediatriz..."

    • Fusão de papéis: A repetição das palavras "Meretriz" e "Medicatriz" (agora transformada em "Mediatriz") reforça a ideia de que esses papéis não são opostos, mas coexistem e se fundem. "Mediatriz" pode ser lida como uma mediadora ou intermediária entre mundos ou estados opostos.
    • Ritmo cíclico: O uso do dois-pontos cria uma pausa reflexiva, quase como se o poema estivesse retomando ou ampliando os significados das palavras.
  4. "Por encanto... Puro encanto... Por enquanto!"

    • Temporalidade e transitoriedade: O uso repetido de "encanto" sugere uma força temporária, mas poderosa, que transforma o momento presente. A expressão "Por enquanto" fecha o poema com uma nota de efemeridade, destacando que o encanto, embora real, é transitório.
    • Ênfase na magia do presente: A repetição de "encanto" como ideia central do verso finaliza o poema em tom mágico, sugerindo que o momento, mesmo breve, carrega significados profundos e transformadores.

Temas Centrais:

  1. Dualidade e Ambiguidade:

    • O poema explora oposições simbólicas (como meretriz/medicatriz, profano/sagrado, corpo/espírito) e mostra que essas dualidades podem coexistir, refletindo a complexidade da existência.
  2. Encantamento e Magia:

    • A linguagem do poema evoca o poder do encanto, tanto como sedução quanto como transformação mágica ou espiritual.
  3. Temporalidade e Efemeridade:

    • A ideia de que o "encanto" é transitório ("por enquanto") reforça a noção de que a beleza e a magia da vida estão no momento presente, mas são passageiras.
  4. O Poder da Linguagem:

    • A repetição, as variações linguísticas e a musicalidade sugerem que as palavras têm um poder próprio, funcionando como um encantamento capaz de moldar sentidos e criar experiências.

Estilo e Linguagem:

  1. Jogos Fonéticos e Sonoros:

    • O poema utiliza palavras que ressoam entre si ("Meretriz", "Medicatriz", "Mediatriz"), criando um ritmo encantatório que reforça o tema do feitiço.
  2. Influências Latinas e Arcaicas:

    • O uso de termos como "incantare" e "incantatore" remete a uma linguagem antiga, conferindo ao poema um tom ritualístico e misterioso.
  3. Estrutura Circular:

    • A repetição de palavras e ideias cria uma sensação de retorno, como se o poema fosse uma invocação cíclica ou um feitiço recitado.
  4. Ritmo Musical:

    • A pontuação e a repetição ("Por encanto... Puro encanto... Por enquanto!") criam um ritmo que aproxima o poema de uma melodia, reforçando seu tom mágico.

Considerações Finais:

"Meretriz. Medicatriz" é um poema que celebra a dualidade e a magia da existência, utilizando a linguagem como veículo de encantamento e reflexão. Ele explora o contraste e a fusão de opostos, sugerindo que o encanto está tanto na efemeridade quanto na permanência simbólica das palavras. Com um estilo místico e musical, o poema convida o leitor a refletir sobre os papéis simbólicos da mulher, o poder da linguagem e a beleza do momento presente, mesmo que fugaz. É uma obra que dança entre o sagrado e o profano, o místico e o real, o eterno e o transitório.

19/11/2011

Hefesto & Vulcano

Nem tudo que se foi
Foi-se

Hefesto com martelo
Na bigorna molda
Em ferro temperado
Histórias ‑ fracas, notórias
No calor abrasado
Das memórias
Ferreiro divino
Constrói armas, ferramentas, objetos finos

Vulcano subterrâneo
Como ácido subcutâneo,
Eruptivo,
a tudo abraça
Em vingativas brasas
(Nem a mãe escapa...)

***

Análise do poema: "Hefesto & Vulcano"

O poema "Hefesto & Vulcano" combina mitologia, memória e metáforas poderosas para explorar temas como criação, destruição, memória e ressentimento. As figuras de Hefesto e Vulcano, deuses associados ao fogo e à forja, são usadas como símbolos de processos interiores e exteriores: a construção cuidadosa e a explosão incontrolável. A dualidade entre criação e destruição permeia o texto, revelando camadas de significados que dialogam com a psique humana.


Título: Hefesto & Vulcano

  • Dualidade Mitológica: O título une duas representações do mesmo arquétipo em diferentes mitologias – Hefesto (grega) e Vulcano (romana). Ambos são deuses do fogo e da metalurgia, mas enquanto Hefesto simboliza o artífice criador, Vulcano incorpora o aspecto destrutivo e eruptivo do fogo.
  • Paralelo Psicológico: O título já sugere uma tensão entre construção e destruição, habilidade e fúria, paciência e explosividade, que se desdobrará no poema.

Análise por Estrofes:

  1. "Nem tudo que se foi / Foi-se"

    • Persistência da memória: O verso inicial apresenta um paradoxo: embora algo pareça ter ido embora, permanece de alguma forma, especialmente no plano emocional ou simbólico.
    • Introdução ao tema central: Esse início conecta-se à função dos deuses do fogo como transformadores – o que é destruído (ou aparentemente perdido) pode ser moldado em algo novo.
  2. "Hefesto com martelo / Na bigorna molda"

    • O artífice divino: Hefesto é apresentado como o deus da criação, cujo trabalho paciente transforma matéria bruta em algo útil ou belo. Ele simboliza o esforço e a habilidade necessários para dar forma às experiências e às memórias.
    • A metáfora do trabalho humano: O martelo e a bigorna representam o esforço criativo, seja literal (como o trabalho físico) ou metafórico (como a elaboração das emoções e lembranças).
  3. "Histórias ‑ fracas, notórias / No calor abrasado / Das memórias"

    • Forja da memória: As histórias, frágeis ou marcantes, são moldadas no calor das experiências passadas. O "calor abrasado" sugere que memórias são intensas e emotivas, gerando marcas profundas.
    • Ambiguidade das memórias: As palavras "fracas" e "notórias" sugerem que nem toda memória é grandiosa; algumas são efêmeras, mas ainda assim contribuem para o todo.
  4. "Ferreiro divino / Constrói armas, ferramentas, objetos finos"

    • Criação multifacetada: Hefesto é tanto um criador de armas (destrutivas) quanto de ferramentas e objetos finos (construtivos). Essa dualidade reflete o poder de transformar algo bruto em algo tanto funcional quanto estético.
    • Conexão com o humano: A imagem do ferreiro divino é uma metáfora para a habilidade humana de transformar experiências, incluindo sofrimento, em algo significativo.
  5. "Vulcano subterrâneo / Como ácido subcutâneo"

    • Fogo interno: Vulcano, em contraste com Hefesto, é apresentado como uma força eruptiva e subterrânea. Ele representa emoções intensas e reprimidas que podem emergir de forma destrutiva.
    • Comparação visceral: O "ácido subcutâneo" sugere dor e corrosão internas, que permanecem latentes até o momento de explosão.
  6. "Eruptivo, / a tudo abraça / Em vingativas brasas"

    • Força destrutiva: Vulcano simboliza a fúria que consome tudo ao seu redor. Sua energia é abrasadora e vingativa, carregada de ressentimento e incontrolável.
    • Vingança como tema: A ideia de "brasas vingativas" sugere que essa destruição não é aleatória, mas dirigida por uma dor ou rancor profundo.
  7. "(Nem a mãe escapa...)"

    • Traição e dor: Esse verso final alude à complexidade das relações humanas e ao impacto de emoções intensas, como a vingança, que pode atingir até mesmo figuras normalmente associadas ao cuidado e à proteção.
    • Eco mitológico: Essa linha remete à mitologia de Vulcano, que em algumas versões é rejeitado por sua mãe (Hera ou Juno), alimentando seu ressentimento.

Temas Centrais:

  1. Criação e Destruição:

    • O poema explora como as mesmas forças (fogo, paixão, energia) podem ser canalizadas para criar ou destruir. Hefesto representa o controle criativo, enquanto Vulcano simboliza a explosividade destrutiva.
  2. Memória e Transformação:

    • O trabalho de Hefesto é uma metáfora para a capacidade de moldar memórias, enquanto Vulcano representa as lembranças que irrompem de forma desordenada, como traumas ou ressentimentos.
  3. Dualidade das Emoções:

    • As figuras dos dois deuses refletem a ambivalência das emoções humanas: a capacidade de criar beleza e utilidade a partir do sofrimento, mas também o potencial de destruição latente.
  4. Ressentimento e Vingança:

    • A força de Vulcano é associada a emoções corrosivas e vingativas, destacando como sentimentos reprimidos podem destruir relações e até mesmo atingir figuras amadas.

Estilo e Linguagem:

  1. Intertextualidade Mitológica:

    • O poema utiliza figuras da mitologia para explorar temas humanos universais, aproximando o divino do cotidiano.
  2. Contrastes Visuais e Sonoros:

    • O poema alterna entre o controle calmo de Hefesto (com imagens como "martelo" e "bigorna") e o caos de Vulcano (com palavras como "eruptivo" e "brasas").
  3. Imagética Rica:

    • A descrição dos processos de forja e erupção é vívida e sensorial, com metáforas que conectam o físico (fogo, ácido) ao emocional (memórias, vingança).
  4. Ambiguidade Moral:

    • Nenhum dos deuses é inteiramente positivo ou negativo, reforçando a complexidade dos processos de criação e destruição.

Considerações Finais:

"Hefesto & Vulcano" é um poema que utiliza a mitologia para explorar as forças opostas e complementares da existência: a capacidade de moldar e criar algo significativo a partir da dor e a tendência destrutiva das emoções reprimidas. Com linguagem rica e simbólica, ele apresenta uma reflexão sobre memória, transformação e as emoções humanas, ressaltando como o mesmo fogo pode aquecer ou consumir, construir ou devastar. É uma obra que instiga o leitor a considerar os processos internos que moldam tanto a criação quanto a destruição em suas próprias vidas.

25/09/2007

Primeiras Lembranças

Pediram-me para que eu descrevesse a minha primeira lembrança. Pensei que seria coisa fácil, mas as lembranças vêm embaralhadas, confusas. Lembro das férias ou do fim-de-semana na praia, na casa do cata-vento; lembro da areia branca, ou melhor, pérola; lembro do sol forte, claro, brilhante, ou melhor, deixando a atmosfera brilhante. Lembro do meu fascínio pelo engenho, pela máquina do cata-vento, lembro de observar atentamente seus mecanismos, também sua beleza. Era um cata-vento destes antigos, prateado, tipo americano, o círculo de lâminas em cima de uma torre, também “de prata”, destas torres que lembram as de perfuração e busca de petróleo, também antigas, como antigas são as lembranças.
Também me lembro do primeiro dia em nossa nova casa, a da “Avenida Jovita Feitosa, 2290”. Com que orgulho eu “recitava” este endereço quando perguntado. Lembro do terraço amplo, com colunas retangulares, finas, em ladrilho amarelo, lembro de minha felicidade, de correr... Lembro de sair de um espaço apertado, a casa da vila onde morávamos, ou era da casa quase no centro da cidade? Destas que a porta da rua dá direto na calçada? Bom, enfim, a lembrança é de uma felicidade por poder correr, brincar, deslizar naquele terraço de cerâmica retangular vermelha. Lembro com nitidez de minha irmã, ainda em um andador, tentando me acompanhar, que graça!
Bom, o pedido foi da primeira lembrança, mas não sei o porquê, estas duas vêm juntas, sempre, talvez porque ambas façam referência à liberdade, ao vento, ao sol, à amplidão das areias da praia, à “amplidão” daquele terraço. Talvez a casa anterior me oprimisse, não sei; e isto não é mais primeiras lembranças, já é análise...
Ah! Antes de terminar só queria agregar à liberdade, ao sol, à amplidão do terraço e da praia, o fascínio pelo cata-vento, sua beleza, seu maquinário, estrutura e funcionamento. Vou ficando por aqui, tenho medo de sair da espontaneidade das lembranças de criança e começar a analisar no ofício de analista, de terapeuta.
Até mais...

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Análise

Este texto é uma narrativa memorialística que combina a evocação de memórias de infância com reflexões espontâneas sobre liberdade, felicidade e os elementos simbólicos que permeiam essas recordações. A escrita é envolvente, marcada por um tom introspectivo e poético, e revela o desafio de distinguir memórias puras da análise posterior. O autor transita entre a espontaneidade das lembranças e a inclinação analítica, compondo um texto que se situa entre o relato e a interpretação.


Estrutura e Desenvolvimento:

  1. Introdução: O desafio da memória

    • O texto começa com a solicitação para descrever a "primeira lembrança" e a constatação de que essa tarefa não é tão simples quanto parece.
    • Confusão e fragmentação: As lembranças surgem "embaralhadas, confusas", indicando a natureza subjetiva e fragmentada da memória, onde diferentes momentos se sobrepõem e dialogam.
  2. Primeira memória: A praia e o cata-vento

    • A descrição da praia e do cata-vento é rica em detalhes sensoriais e emocionais: "areia branca, ou melhor, pérola", "sol forte", "atmosfera brilhante". Esses detalhes destacam o encantamento infantil com o espaço e os elementos naturais.
    • O cata-vento é apresentado como uma figura central, símbolo de fascínio pela beleza e pelo movimento, mas também como uma representação do vento, da liberdade e do poder transformador das máquinas.
    • Simbologia do cata-vento: Ele atua como um eixo de ligação entre a dimensão concreta (o engenho) e o abstrato (a liberdade e o encantamento).
  3. Segunda memória: A casa na Avenida Jovita Feitosa

    • O autor narra o momento de mudança para uma nova casa, com ênfase no sentimento de liberdade proporcionado pelo terraço amplo.
    • Relação entre espaço e emoção: A transição de um ambiente opressor para outro mais aberto e espaçoso é vividamente retratada, com destaque para a alegria de correr e brincar.
    • A interação com a irmã no andador traz um elemento afetuoso e reforça o aspecto relacional das memórias.
  4. Reflexão e ligação das memórias

    • O autor percebe que as duas lembranças, embora distintas, compartilham elementos comuns: liberdade, amplidão, vento e sol. Essas conexões sugerem que o que marca as memórias não são apenas os eventos em si, mas as sensações e os significados atribuídos a eles.
    • Autoconsciência reflexiva: O texto reconhece o risco de abandonar a espontaneidade das lembranças ao entrar no campo da análise, especialmente no papel de terapeuta.
  5. Conclusão: Encerramento com humildade

    • O encerramento é marcado pela cautela em evitar a sobreintelectualização das memórias, preservando seu caráter espontâneo e lúdico.

Temas Centrais:

  1. Natureza Fragmentada da Memória:

    • O texto reflete como as memórias de infância emergem de forma entrelaçada e subjetiva, resistindo a uma ordenação linear ou objetiva.
  2. Liberdade e Espaço:

    • Tanto a praia quanto o terraço simbolizam liberdade e amplidão, contrastando com os espaços anteriores, que o autor sugere como opressivos.
  3. Fascínio pelo Movimento:

    • O cata-vento é uma metáfora para a curiosidade infantil e a relação com o movimento, o vento e o poder transformador da tecnologia.
  4. Conexão entre Análise e Memória:

    • O autor explora a tensão entre a memória pura e a análise, sugerindo que o processo de lembrar está inevitavelmente entrelaçado com o de interpretar.
  5. Sensações e Emoções na Construção das Memórias:

    • As descrições sensoriais ("areia pérola", "terraço de cerâmica vermelha") e emocionais ("felicidade por correr", "fascínio pelo cata-vento") destacam como os sentimentos moldam as lembranças.

Estilo e Linguagem:

  1. Tom Poético e Reflexivo:

    • A escolha de palavras e as imagens evocadas dão ao texto uma qualidade lírica. Termos como "pérola", "atmosfera brilhante" e "fascínio pelo engenho" criam uma conexão emocional com o leitor.
  2. Narrativa Fluida:

    • O texto é escrito em fluxo, refletindo o próprio ato de recordar, com saltos entre memórias e associações espontâneas.
  3. Ambiguidade e Subjetividade:

    • A dificuldade em isolar uma "primeira lembrança" reflete a subjetividade e a complexidade do processo de memória.
  4. Interseção entre Prosa e Análise:

    • O texto oscila entre uma narrativa memorialística e um ensaio reflexivo, tornando-o híbrido e multifacetado.

Considerações Finais:

"Primeiras Lembranças" é um texto que combina narrativa, poesia e reflexão para explorar o impacto das memórias de infância na formação do sujeito. Ele destaca como espaços, sensações e emoções constroem as lembranças, e como o ato de recordar inevitavelmente se mistura à análise e à interpretação. Com um tom íntimo e introspectivo, o autor conduz o leitor a revisitar não apenas as lembranças em si, mas também o processo de reconstituí-las, preservando sua beleza espontânea e vulnerável. É uma obra que celebra o poder das pequenas experiências em moldar o imaginário e a identidade.