18/08/2013

01 ânus
02 ânus
03 ânus

04 ânus
05 ânus
06 ânus

07 ânus
08 ânus
09 ânus

noves fora
:
vácuo

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Análise do poema:

O poema "01 ânus" utiliza uma construção matemática, rítmica e provocativa para explorar temas como tempo, repetição, corpo e o vazio existencial. A linguagem aparentemente simples e repetitiva esconde camadas profundas de significado, permitindo uma interpretação multifacetada. A conclusão com "vácuo" sugere uma reflexão sobre a finitude, o ciclo da vida e a inexorabilidade do vazio como destino final.


Análise por Partes:

1. Estrutura Repetitiva:

  1. "01 ânus / 02 ânus / 03 ânus"
  2. "04 ânus / 05 ânus / 06 ânus"
  3. "07 ânus / 08 ânus / 09 ânus"
  • Ritmo cíclico e contagem:

    • A contagem numérica cria um ritmo semelhante a um relógio ou calendário, sugerindo o passar do tempo de maneira metódica e inevitável.
    • O uso dos números enfatiza a progressão linear do tempo, enquanto a repetição de "ânus" reforça a ligação com o corpo humano e os ciclos naturais da vida.
  • Ânus como símbolo:

    • A escolha da palavra "ânus" é provocativa e inusitada, remetendo tanto ao corpo físico quanto à materialidade da existência. É uma referência direta ao ciclo corporal, à excreção, à função básica do organismo, mas também pode ser interpretada metaforicamente como o lado rejeitado, esquecido ou marginalizado da experiência humana.
    • Pode aludir ao tabu, àquilo que se evita mencionar, sugerindo uma crítica à repressão de aspectos mais "primitivos" ou "menos nobres" da condição humana.

2. "noves fora / : / vácuo"

  • "noves fora":

    • Uma expressão matemática que indica a subtração do excesso para chegar ao essencial, frequentemente associada a brincadeiras infantis de cálculo.
    • Aqui, ela sugere a redução de toda a contagem anterior a um ponto final: a ideia de que tudo o que resta, após a subtração do que foi vivido ou experienciado, é o vazio.
  • "vácuo":

    • O vazio final é apresentado como o destino inevitável, um espaço de ausência que contrasta com a materialidade do corpo e a repetição dos ciclos de "ânus".
    • Pode simbolizar a morte, o fim do ciclo vital, ou mesmo a ausência de significado após a repetição incessante e o desgaste do tempo.

Temas Centrais:

  1. Ciclo do Tempo e do Corpo:

    • A repetição de "ânus" com números sugere a passagem dos anos (jogando com a semelhança fonética entre "ânus" e "anos"). Essa contagem transforma o corpo em um marcador do tempo.
  2. Materialidade e Efemeridade:

    • Ao enfatizar uma parte específica do corpo humano, o poema subverte hierarquias entre o físico e o metafísico, trazendo à tona a fragilidade e a materialidade da existência.
  3. Redução ao Essencial:

    • A expressão "noves fora" e o "vácuo" final apontam para uma busca pelo essencial, pelo que permanece após a eliminação do supérfluo. Essa busca, no entanto, culmina na ausência – sugerindo uma visão niilista ou existencial.
  4. Tabu e Crítica Social:

    • A escolha de "ânus" pode ser lida como uma crítica à repressão de aspectos considerados "inferiores" ou "indignos" da condição humana. O poema desafia o leitor a confrontar o corpo e suas funções sem pudor ou vergonha.
  5. Vácuo Existencial:

    • A menção final ao "vácuo" sugere que, apesar da repetição e da progressão temporal, o destino final é a ausência de sentido ou substância, uma ideia que ressoa com perspectivas existencialistas e niilistas.

Estilo e Linguagem:

  1. Minimalismo:

    • A estrutura enxuta e a repetição reforçam a ideia de ciclos e de uma mensagem condensada, onde cada palavra é cuidadosamente escolhida para ampliar seu impacto.
  2. Jogo Linguístico e Provocação:

    • O uso do termo "ânus" em um contexto reflexivo e aparentemente matemático subverte expectativas e provoca desconforto inicial, convidando o leitor a ir além da literalidade.
  3. Ritmo Numérico:

    • A cadência gerada pela contagem sugere regularidade e inevitabilidade, reforçando a passagem do tempo como um ciclo inexorável.
  4. Ambiguidade e Polivalência:

    • A palavra "ânus" pode ser interpretada de maneira literal ou simbólica, permitindo múltiplas camadas de leitura (corporal, temporal, crítica).

Considerações Finais:

"01 ânus" é um poema que utiliza linguagem provocativa, repetição e simbolismo para explorar questões fundamentais da existência. A relação entre o corpo, o tempo e o vazio final é apresentada de maneira cíclica e inevitável, sugerindo uma reflexão sobre a materialidade da vida e a efemeridade de todas as experiências. Com humor ácido e profundidade filosófica, o poema convida o leitor a confrontar tanto o banal quanto o universal, desafiando normas culturais e concepções tradicionais sobre o corpo, o tempo e o destino humano.



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