08/01/2015

ARS 3

jogar pérolas aos porcos
é lançar cacos de palavras
para pés que não sangram
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ANÁLISE

Análise do poema: "ARS 3"

Este poema é uma reflexão concisa e densa sobre a comunicação, o valor da linguagem e a relação entre o emissor e o receptor. Ele utiliza metáforas poderosas para explorar temas como o desperdício do que é precioso, a insensibilidade e o descompasso entre quem cria e quem recebe. O tom crítico e melancólico revela a frustração do eu lírico diante da incompreensão ou indiferença ao que é significativo.


Análise por Verso:

  1. "jogar pérolas aos porcos"

    • Referência ao provérbio: O verso evoca a expressão bíblica "não atireis pérolas aos porcos" (Mateus 7:6), que sugere o desperdício de algo valioso com quem não sabe ou não pode apreciá-lo. As pérolas representam algo precioso, como ideias, sentimentos ou criações.
    • Frustração criativa: Este verso reflete o sentimento de quem oferece algo de grande valor, mas percebe que isso é tratado com indiferença ou desdém.
  2. "é lançar cacos de palavras"

    • Desvalorização da linguagem: Aqui, o poema subverte a metáfora inicial. O que era precioso (pérolas) transforma-se em "cacos de palavras", sugerindo que, ao serem ignoradas ou maltratadas, as palavras perdem seu valor e tornam-se fragmentos sem sentido.
    • Fragmentação: A ideia de "cacos" evoca algo quebrado ou perdido, indicando que a comunicação falha ou não é recebida de forma íntegra.
    • Crítica ao receptor: O verso implica que as palavras, por mais preciosas que sejam, tornam-se inúteis quando não encontram eco ou compreensão no outro.
  3. "para pés que não sangram"

    • Insensibilidade: Os "pés que não sangram" simbolizam aqueles que são insensíveis, indiferentes ou impermeáveis ao impacto das palavras ou do significado. Não há vulnerabilidade, empatia ou abertura para receber o que foi oferecido.
    • Ação inócua: Este verso final reforça a ideia de inutilidade: as palavras, ainda que preciosas ou cortantes como cacos, não têm efeito sobre quem não sente ou não está disposto a sentir.
    • Imagem poderosa: A metáfora dos pés que não sangram sugere uma relação desproporcional entre o esforço de quem lança (pérolas ou palavras) e a incapacidade do outro de ser tocado ou ferido por isso.

Temas Centrais:

  1. Desvalorização da Comunicação:

    • O poema critica a situação em que algo significativo ou precioso é oferecido, mas encontra uma audiência incapaz de apreciar ou entender. É uma metáfora para o vazio da comunicação diante da insensibilidade.
  2. Insensibilidade e Indiferença:

    • Os "pés que não sangram" refletem a indiferença ou a resistência ao impacto das palavras, simbolizando uma humanidade insensível às nuances do que é profundo ou belo.
  3. Frustração Criativa e Existencial:

    • O poema expressa a angústia do criador ou emissor (seja um poeta, artista ou comunicador) diante da sensação de que suas criações caem no vazio ou são subestimadas.
  4. Transformação do Precioso em Insignificante:

    • O movimento do poema, de "pérolas" a "cacos", simboliza a perda de valor ou significado quando algo valioso é tratado com desdém ou incompreensão.

Estilo e Linguagem:

  1. Uso de Metáforas Poderosas:

    • As metáforas de "pérolas aos porcos", "cacos de palavras" e "pés que não sangram" criam imagens densas e provocativas, que carregam o peso emocional e crítico do poema.
  2. Economia de Palavras:

    • O poema é curto, mas concentra camadas de significados, exigindo que o leitor reflita sobre as implicações de cada imagem.
  3. Tom Melancólico e Crítico:

    • Há um tom de resignação e frustração no poema, que reflete tanto a dor do desperdício quanto a crítica à indiferença do receptor.
  4. Estrutura Circular:

    • O movimento de "pérolas" para "cacos" cria uma sensação de circularidade, reforçando a ideia de que o precioso se torna inútil quando tratado com desprezo.

Considerações Finais:

"ARS 3" é um poema que reflete sobre a precariedade da comunicação e a frustração diante da indiferença humana. Ele aborda de forma crítica e melancólica o valor das palavras e a dificuldade de transmitir o que é precioso para uma audiência insensível. A progressão simbólica de pérolas para cacos, culminando nos "pés que não sangram", destaca a tensão entre o criador e o receptor, transformando uma reflexão sobre a arte e a linguagem em uma meditação mais ampla sobre a fragilidade da troca humana.


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