08/01/2015

ARS 4

o homem do deserto
ergue cidades no mar
e entristece
ao auscultar
o ronco do jaguar
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ANÁLISE

Análise do poema: "ARS 4"

O poema "ARS 4" evoca imagens fortes e contrastantes para explorar temas como criação, destruição, fragilidade humana e a tensão entre natureza e civilização. Apesar de sua concisão, ele é carregado de simbolismo e oferece múltiplas possibilidades interpretativas, em diálogo com ideias de arte (ars, em latim), cultura e humanidade.


Análise por Versos:

  1. "o homem do deserto"

    • Figura universal: O "homem do deserto" pode ser lido como uma metáfora para a humanidade em sua essência. O deserto simboliza aridez, isolamento e desafios, mas também a vastidão e a possibilidade de transformação.
    • Símbolo de busca: A figura do homem no deserto remete a mitos e narrativas espirituais, onde o deserto é um lugar de prova, meditação e renascimento.
  2. "ergue cidades no mar"

    • Contraste e ambição: Este verso apresenta uma imagem de grandeza e impossibilidade. Construir "cidades no mar" sugere a capacidade humana de superar limites naturais, mas também a fragilidade dessas criações diante da instabilidade do ambiente.
    • Civilização contra a natureza: Há aqui uma reflexão implícita sobre a relação entre o homem e a natureza. Ao construir no mar, o homem desafia forças que estão além de seu controle, ressaltando a precariedade de suas obras.
  3. "e entristece"

    • Fragilidade emocional: A introdução da tristeza humaniza o "homem do deserto", revelando que, mesmo com sua capacidade de criação e transformação, ele está sujeito a angústias e descontentamentos.
    • O peso da consciência: A tristeza pode ser interpretada como um sentimento de inadequação ou insatisfação, mesmo após grandes feitos. Isso reflete a inquietação humana diante do efêmero e do imprevisível.
  4. "ao auscultar"

    • Ato de escuta cuidadosa: O verbo "auscultar" traz à tona uma imagem de introspecção ou atenção profunda. O homem está ouvindo atentamente, como se buscasse entender ou decifrar algo essencial.
    • A escuta da natureza: A escolha do verbo sugere que o homem está tentando compreender o mundo natural ou algo que vai além do tangível.
  5. "o ronco do jaguar"

    • Força da natureza: O "ronco do jaguar" simboliza o poder bruto, indomável e selvagem da natureza. O jaguar, um predador majestoso e misterioso, pode representar tanto ameaça quanto respeito diante do desconhecido.
    • Conflito e medo: O som do jaguar, tão próximo e visceral, contrapõe-se às criações humanas ("cidades no mar"), destacando a tensão entre a fragilidade da civilização e a força primordial da natureza.
    • Espiritualidade e mito: O jaguar é uma figura recorrente em mitologias, especialmente na América Latina, onde simboliza tanto poder espiritual quanto o desconhecido. Aqui, ele pode ser visto como uma lembrança da pequenez humana diante do mundo natural.

Temas Centrais:

  1. Tensão entre Natureza e Civilização:

    • O poema reflete sobre o desejo humano de dominar ou transformar a natureza (cidades no mar) e sua incapacidade de escapar completamente dela (o ronco do jaguar).
  2. Fragilidade Humana:

    • Apesar de suas conquistas e ambições, o homem é retratado como emocionalmente vulnerável e impotente diante de forças maiores.
  3. Criação e Insatisfação:

    • O ato de criar, mesmo quando grandioso, não resolve a angústia existencial. A tristeza do homem reflete a insatisfação intrínseca à condição humana.
  4. Escuta e Reflexão:

    • O poema enfatiza a necessidade de "auscultar" o mundo à sua volta, mas essa escuta traz uma percepção desconfortável: a presença de algo maior e incontrolável.
  5. Conexão com a Arte:

    • O título "ARS" pode remeter à arte como um meio de mediar a relação entre o homem, suas criações e o mundo natural. A tristeza e o conflito talvez sejam parte do próprio processo artístico e criativo.

Estilo e Linguagem:

  1. Economia de Palavras:

    • O poema é enxuto, mas rico em imagens e significados, permitindo ao leitor explorar camadas de interpretação.
  2. Contrastes e Tensão:

    • O contraste entre "deserto" e "mar", "homem" e "jaguar", "cidades" e "ronco" cria uma dinâmica que reforça a tensão central entre o humano e o natural.
  3. Tom Melancólico:

    • O uso de palavras como "entristece" e a imagem do homem ouvindo o jaguar sugerem um tom de resignação e reflexão existencial.
  4. Ritmo e Som:

    • O ritmo do poema flui suavemente, como um pensamento contínuo, mas é interrompido pela força sonora evocada pelo "ronco do jaguar", um elemento disruptivo e visceral.

Considerações Finais:

"ARS 4" é um poema que reflete sobre a condição humana em sua relação com o mundo natural, a ambição criativa e a inevitável melancolia que acompanha a percepção de limites. Ele combina o grandioso e o íntimo, o humano e o selvagem, criando uma obra que dialoga com questões existenciais profundas. A figura do jaguar, como símbolo final, ressalta a presença constante da natureza como força primordial e incontrolável, lembrando o leitor da fragilidade de nossas conquistas diante do infinito e do desconhecido.

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