é lançar cacos de palavras
para pés que não sangram
Análise do poema: "ARS 3"
Este poema é uma reflexão concisa e densa sobre a comunicação, o valor da linguagem e a relação entre o emissor e o receptor. Ele utiliza metáforas poderosas para explorar temas como o desperdício do que é precioso, a insensibilidade e o descompasso entre quem cria e quem recebe. O tom crítico e melancólico revela a frustração do eu lírico diante da incompreensão ou indiferença ao que é significativo.
Análise por Verso:
- "jogar pérolas aos porcos" - Referência ao provérbio: O verso evoca a expressão bíblica "não atireis pérolas aos porcos" (Mateus 7:6), que sugere o desperdício de algo valioso com quem não sabe ou não pode apreciá-lo. As pérolas representam algo precioso, como ideias, sentimentos ou criações.
- Frustração criativa: Este verso reflete o sentimento de quem oferece algo de grande valor, mas percebe que isso é tratado com indiferença ou desdém.
 
- "é lançar cacos de palavras" - Desvalorização da linguagem: Aqui, o poema subverte a metáfora inicial. O que era precioso (pérolas) transforma-se em "cacos de palavras", sugerindo que, ao serem ignoradas ou maltratadas, as palavras perdem seu valor e tornam-se fragmentos sem sentido.
- Fragmentação: A ideia de "cacos" evoca algo quebrado ou perdido, indicando que a comunicação falha ou não é recebida de forma íntegra.
- Crítica ao receptor: O verso implica que as palavras, por mais preciosas que sejam, tornam-se inúteis quando não encontram eco ou compreensão no outro.
 
- "para pés que não sangram" - Insensibilidade: Os "pés que não sangram" simbolizam aqueles que são insensíveis, indiferentes ou impermeáveis ao impacto das palavras ou do significado. Não há vulnerabilidade, empatia ou abertura para receber o que foi oferecido.
- Ação inócua: Este verso final reforça a ideia de inutilidade: as palavras, ainda que preciosas ou cortantes como cacos, não têm efeito sobre quem não sente ou não está disposto a sentir.
- Imagem poderosa: A metáfora dos pés que não sangram sugere uma relação desproporcional entre o esforço de quem lança (pérolas ou palavras) e a incapacidade do outro de ser tocado ou ferido por isso.
 
Temas Centrais:
- Desvalorização da Comunicação: - O poema critica a situação em que algo significativo ou precioso é oferecido, mas encontra uma audiência incapaz de apreciar ou entender. É uma metáfora para o vazio da comunicação diante da insensibilidade.
 
- Insensibilidade e Indiferença: - Os "pés que não sangram" refletem a indiferença ou a resistência ao impacto das palavras, simbolizando uma humanidade insensível às nuances do que é profundo ou belo.
 
- Frustração Criativa e Existencial: - O poema expressa a angústia do criador ou emissor (seja um poeta, artista ou comunicador) diante da sensação de que suas criações caem no vazio ou são subestimadas.
 
- Transformação do Precioso em Insignificante: - O movimento do poema, de "pérolas" a "cacos", simboliza a perda de valor ou significado quando algo valioso é tratado com desdém ou incompreensão.
 
Estilo e Linguagem:
- Uso de Metáforas Poderosas: - As metáforas de "pérolas aos porcos", "cacos de palavras" e "pés que não sangram" criam imagens densas e provocativas, que carregam o peso emocional e crítico do poema.
 
- Economia de Palavras: - O poema é curto, mas concentra camadas de significados, exigindo que o leitor reflita sobre as implicações de cada imagem.
 
- Tom Melancólico e Crítico: - Há um tom de resignação e frustração no poema, que reflete tanto a dor do desperdício quanto a crítica à indiferença do receptor.
 
- Estrutura Circular: - O movimento de "pérolas" para "cacos" cria uma sensação de circularidade, reforçando a ideia de que o precioso se torna inútil quando tratado com desprezo.
 
Considerações Finais:
"ARS 3" é um poema que reflete sobre a precariedade da comunicação e a frustração diante da indiferença humana. Ele aborda de forma crítica e melancólica o valor das palavras e a dificuldade de transmitir o que é precioso para uma audiência insensível. A progressão simbólica de pérolas para cacos, culminando nos "pés que não sangram", destaca a tensão entre o criador e o receptor, transformando uma reflexão sobre a arte e a linguagem em uma meditação mais ampla sobre a fragilidade da troca humana.
 
