12/12/2017

a palavra
destaca
o silêncio
a presença
demarca
a ausência
o que há
entre nós
vela corpos
lança almas
sopra o pó
*
ANÁLISE

Este poema explora de forma profunda e reflexiva as tensões entre opostos complementares, como presença e ausência, silêncio e palavra, materialidade e espiritualidade. A linguagem é minimalista, mas carrega uma densidade simbólica que abre espaço para múltiplas interpretações. Através de imagens sugestivas e uma estrutura em forma de fluxo, o poema convida o leitor a refletir sobre as dinâmicas do ser, da comunicação e da existência.


Análise por Bloco:

  1. "a palavra / destaca / o silêncio"

    • Contraste entre palavra e silêncio: O poema inicia com um paradoxo. A palavra, ao ser dita, evidencia o silêncio que a precedeu ou a sucederá. Este jogo de opostos sugere que um só pode ser compreendido em relação ao outro.
    • Criação de significado: A palavra é apresentada não como um antagonista do silêncio, mas como algo que o revela, mostrando que o silêncio carrega tanto peso quanto a fala.
  2. "a presença / demarca / a ausência"

    • Complementaridade existencial: Assim como no primeiro bloco, este verso explora o vínculo inseparável entre dois conceitos opostos. A presença é percebida porque há ausência, e vice-versa.
    • Marcação de limites: A palavra "demarca" sugere fronteiras. A presença não apenas existe, mas cria limites claros entre o que é palpável e o que é ausente, ampliando a dimensão simbólica do espaço entre os dois.
  3. "o que há / entre nós"

    • Espaço interpessoal: Este verso centraliza o foco no "entre", no espaço relacional que conecta ou separa os sujeitos. Esse espaço pode ser interpretado como físico, emocional ou espiritual.
    • Ambiguidade do vínculo: "O que há entre nós" também pode sugerir algo não dito, implícito ou até mesmo conflitante. É um convite a investigar o invisível ou o que não é imediatamente perceptível.
  4. "vela corpos / lança almas"

    • Materialidade e transcendência: Este bloco sugere uma transição entre o físico e o espiritual. "Vela corpos" pode remeter ao cuidado ou à despedida, enquanto "lança almas" indica um movimento de libertação, transcendência ou conexão com algo além do tangível.
    • Ritual e dualidade: Há uma qualidade ritualística nesses versos, como se tratassem de um ciclo de cuidado e desprendimento, vida e morte, ou material e imaterial.
  5. "sopra o pó"

    • Efemeridade e renovação: O verso final sintetiza o tema da transitoriedade. "Sopra o pó" evoca imagens bíblicas ("do pó viemos e ao pó retornaremos"), mas também sugere movimento, dispersão e transformação.
    • Força invisível: O sopro representa algo intangível, mas poderoso, que anima, dispersa e redefine o que existe.

Temas Centrais:

  1. Dualidade e Complementaridade:

    • O poema trabalha com pares de opostos que não se excluem, mas se definem mutuamente: palavra e silêncio, presença e ausência, corpo e alma. Essa tensão reflete a complexidade da existência.
  2. Materialidade e Transcendência:

    • A progressão do poema sugere um movimento do tangível para o intangível, da presença física para algo que transcende, como as almas lançadas ou o pó soprado.
  3. Efemeridade da Existência:

    • O verso final encapsula o caráter passageiro de todas as coisas, evocando a fragilidade do corpo e a impermanência da vida.
  4. Relações e Espaços Interpessoais:

    • O "entre nós" é um tema central, apontando para a importância dos espaços simbólicos que conectam ou separam pessoas, ideias e realidades.

Estilo e Linguagem:

  • Minimalismo Poético: O poema utiliza uma linguagem enxuta e imagens simbólicas para transmitir ideias complexas, deixando espaço para que o leitor preencha as lacunas interpretativas.
  • Paralelismos e Fluxo: A estrutura apresenta pares de opostos e progressões que criam um movimento rítmico, conduzindo o leitor por diferentes níveis de significado.
  • Imagens Universais: Palavras como "silêncio", "ausência", "corpos", "almas" e "pó" têm ressonâncias filosóficas, espirituais e culturais, ampliando o alcance interpretativo.

Considerações Finais:

Este poema é uma meditação poética sobre a condição humana, a dualidade inerente à vida e a interconexão entre materialidade e transcendência. Ele nos convida a refletir sobre as forças invisíveis que dão sentido ao que é visível e sobre os espaços silenciosos que moldam o que é dito. Com sutileza e profundidade, o poema combina introspecção e universalidade, tornando-se uma poderosa expressão da fragilidade e da beleza da existência.

30/11/2017

o que me transcende não alcanço
o que me ascende não compreendo
de pensar me canso
me rendo

eita! estou é  lascado
se me encontro com a Esfinge
estou devorado!
*
ANÁLISE

Este poema combina reflexões filosóficas com um tom coloquial e humorístico, criando um contraste intrigante entre questões existenciais profundas e uma atitude irreverente diante da complexidade da vida. Ele aborda o esforço humano em buscar sentido, a dificuldade de compreender o transcendente e a inevitabilidade de aceitar nossas limitações.


Análise por Bloco:

  1. "o que me transcende não alcanço"

    • Limitação humana: Este verso reflete sobre a incapacidade de atingir ou compreender plenamente o que está além do humano, seja no plano espiritual, metafísico ou intelectual. A ideia de transcendência está associada ao que é inalcançável por definição.
    • Busca frustrada: Há uma melancolia implícita no verbo "não alcanço", que sugere o esforço de buscar algo que permanece fora de alcance.
  2. "o que me ascende não compreendo"

    • Mistério da elevação: A palavra "ascende" pode se referir tanto ao espiritual quanto ao desenvolvimento pessoal ou intelectual. O verso expressa a dificuldade de entender até mesmo aquilo que nos eleva ou nos impulsiona para o alto.
    • Ironia implícita: Apesar de ser algo positivo, o "ascender" aqui é retratado como enigmático, gerando um certo desconforto diante do desconhecido.
  3. "de pensar me canso / me rendo"

    • Exaustão existencial: O poema muda de tom aqui, revelando um cansaço diante da busca por respostas ou entendimento. Este verso conecta-se à tradição filosófica que reconhece os limites do intelecto humano na compreensão do universo.
    • Rendição como aceitação: A rendição pode ser interpretada como uma aceitação dos limites do pensamento racional, uma entrega ao mistério do que não pode ser compreendido.
  4. "eita! estou é lascado"

    • Tom coloquial e humorístico: Este verso introduz um contraste cômico e descontraído em relação à seriedade anterior. A expressão "estou é lascado" desdramatiza a situação e aproxima o poema do cotidiano, sugerindo uma atitude de resignação bem-humorada diante das complexidades existenciais.
    • Humanização: O uso de uma linguagem coloquial aproxima o eu lírico do leitor, tornando-o mais acessível e humano.
  5. "se me encontro com a Esfinge / estou devorado!"

    • Mitologia e autocrítica: A referência à Esfinge evoca a ideia de enigmas e desafios intelectuais impossíveis de superar. No mito grego, quem não decifrava o enigma da Esfinge era devorado por ela, o que aqui é tratado com humor autodepreciativo.
    • Ironia e fragilidade: O eu lírico reconhece sua incapacidade de enfrentar as grandes questões da vida, mas faz isso com um tom leve, quase cômico, que transforma a tragédia em uma piada sobre a condição humana.

Temas Centrais:

  1. Busca pelo Conhecimento e Seus Limites:

    • O poema reflete a dificuldade humana de compreender tanto o transcendente quanto o que nos eleva. Ele sugere que há aspectos da existência que ultrapassam nossa capacidade de entendimento.
  2. Cansaço e Rendição:

    • A exaustão intelectual e a rendição são temas centrais, mostrando que o esforço constante para decifrar os mistérios da vida pode levar à aceitação de nossa ignorância.
  3. Humor e Existencialismo:

    • O tom bem-humorado e coloquial desdramatiza a seriedade dos temas existenciais, tornando o poema uma espécie de sátira da busca incessante por significado.
  4. Ironia da Condição Humana:

    • A referência à Esfinge e a rendição ao humor refletem a vulnerabilidade humana diante de enigmas insolúveis, mas também a habilidade de rir de si mesmo e das limitações da própria espécie.

Estilo e Linguagem:

  • Contraste de Tons: O poema combina um início reflexivo e sério com um final coloquial e irônico, criando uma tensão entre o elevado e o cotidiano.
  • Humor Autodepreciativo: A introdução de expressões como "eita!" e "estou é lascado" transforma questões filosóficas densas em algo leve e acessível, aproximando o leitor.
  • Economia e Eficácia: Os versos curtos e diretos condensam ideias complexas, permitindo que a profundidade se manifeste sem perder a fluidez.

Considerações Finais:

Este poema é uma meditação bem-humorada sobre os limites do conhecimento humano e a condição existencial. Ele aborda grandes questões, como transcendência e autocompreensão, mas sem se levar totalmente a sério, adotando uma abordagem irônica e descontraída. A referência à Esfinge simboliza a luta do indivíduo com mistérios maiores do que ele, enquanto o tom coloquial lembra que, no final, o humor pode ser uma das formas mais sábias de lidar com o incompreensível.

12/01/2015

pro umbigo o homem
pro homem a camisa
pra camisa o armário
pro armário o quarto
pro quarto o apartamento
pro apartamento o condomínio
pro condomínio a rua
pra rua o bairro
pro bairro a cidade
pra cidade o estado
pro estado a região
pra região o país
pro país o continente
pro continente o hemisfério
pro hemisfério o mundo
pro mundo o vácuo
SI-DE-RAL

(e o umbigo continua aqui...)


ANÁLISE

Este poema apresenta uma reflexão cíclica e irônica sobre a relação entre o indivíduo e o universo. Ele utiliza uma progressão lógica que vai do íntimo (o umbigo) ao infinito (o "vácuo sideral"), para depois retornar ao ponto de partida, ressaltando a centralidade do ego humano em meio à vastidão do cosmos. O poema combina humor, crítica e uma visão existencial, ao mesmo tempo que expõe a tensão entre a imensidão externa e a autorreferência interna.


Análise Estrutural:

  1. Progressão Escalonada:

    • Cada verso expande o espaço de referência, começando no nível mais íntimo ("pro umbigo o homem") e avançando por diferentes escalas: a casa, o bairro, a cidade, o país, até o universo.
    • Essa estrutura em cascata cria uma sensação de ampliação progressiva, como se o poema imitasse a expansão do pensamento humano, desde a preocupação com o individual até o cósmico.
    • A repetição anafórica de "pro" e "pra" confere ritmo ao poema, imitando um movimento contínuo e inevitável.
  2. O "vácuo sideral":

    • A introdução do "vácuo" como destino final subverte a ideia de um cosmos cheio de sentido. Em vez disso, ele é apresentado como um espaço de ausência, vazio, e talvez desimportância.
    • O termo "sideral" sugere a vastidão e o incomensurável, enfatizando o contraste com o umbigo, uma imagem pequena e autorreferente.
  3. Retorno ao umbigo:

    • O último verso, "(e o umbigo continua aqui...)", ironiza toda a progressão anterior, ao mostrar que, apesar da vastidão do universo, o ser humano permanece fixado em si mesmo.
    • Esse retorno reforça a ideia de que, não importa a escala explorada, o homem frequentemente reduz tudo à perspectiva do próprio ego.

Temas Centrais:

  1. Ego e Centralidade Humana:

    • O poema satiriza a tendência humana de se colocar no centro de todas as coisas, mesmo em face da vastidão do universo.
    • A metáfora do umbigo, símbolo da autorreferência e do egocentrismo, conecta o íntimo e o cósmico, expondo a desconexão entre a grandiosidade do universo e as preocupações humanas.
  2. Expansão e Insignificância:

    • O movimento do poema, que vai do local ao universal, ressalta a insignificância do indivíduo diante da escala cósmica, ao mesmo tempo que sublinha a ironia de um universo vasto ainda girar, subjetivamente, em torno do ego humano.
  3. Ceticismo e Ironia Existencial:

    • A referência ao "vácuo sideral" e o retorno ao umbigo sugerem uma crítica ao antropocentrismo e talvez ao próprio sentido da existência humana em um universo indiferente.

Linguagem e Estilo:

  1. Linguagem Simples e Repetitiva:

    • O uso de frases curtas e repetitivas dá ao poema um tom quase infantil, que contrasta com a complexidade do tema abordado.
    • Esse estilo enfatiza a ideia de que o pensamento humano, por mais ambicioso que seja, muitas vezes retorna a questões básicas e egoicas.
  2. Ironia e Humor:

    • O tom irônico permeia o poema, especialmente na escolha de começar e terminar com o umbigo, que é trivial e autorreferente em contraste com a vastidão do "sideral".
  3. Estrutura Circular:

    • A volta ao umbigo no final reforça a ideia de um ciclo infinito e fútil, sugerindo que, mesmo ao explorar a imensidão, o pensamento humano tende a girar em torno de si mesmo.

Considerações Finais:

Este poema é uma crítica poética e irônica ao egocentrismo humano e à tendência de reduzir o imenso (o cosmos) ao pequeno (o umbigo). Ele brinca com a escala, a repetição e o contraste para expor a disparidade entre as preocupações humanas e a vastidão do universo. Com humor e profundidade, o poema nos lembra de que, apesar de nossas ambições e explorações, continuamos presos à nossa própria perspectiva limitada, reiterando que o "umbigo" – literal e metafórico – permanece como o centro de nossa experiência subjetiva.


Diabolique

um Urubu só
- mesmo Rei -
não faz Festim Diabólico
*

ANÁLISE

Análise do poema: "Diabolique"

Este poema utiliza uma linguagem sintética, carregada de simbolismo e ironia, para explorar temas como poder, solidão, coletividade e a natureza do "mal". A figura do urubu, associada à morte e à decadência, é central na construção de uma metáfora que questiona a eficácia e o impacto do poder individual isolado, mesmo quando se trata de um "Rei". O título "Diabolique" confere ao poema uma atmosfera sombria e crítica, evocando algo maligno ou macabro.


Análise por Elementos:

  1. Título: "Diabolique"

    • Evocação do Mal e do Desconforto:
      • A escolha de um título em francês dá ao poema uma conotação sofisticada e internacional, enquanto a palavra "diabolique" (diabólico) remete ao demoníaco, ao malévolo e ao transgressivo.
      • O título sugere que o conteúdo do poema irá tratar de algo ligado ao mal, mas talvez com uma abordagem irônica ou subversiva.
    • Sutileza e Dualidade: A palavra pode evocar tanto o mal explícito quanto as forças destrutivas sutis que operam no mundo, associadas à figura do urubu.
  2. "um Urubu só"

    • Solidão e Isolamento: O verso inicial estabelece o isolamento do urubu, uma figura muitas vezes associada à morte, à carniça e à decomposição. Ele está sozinho, mesmo sendo "Rei", o que indica que seu poder é insuficiente para provocar impacto significativo.
    • Símbolo de Decadência: O urubu é frequentemente visto como um símbolo de decadência e renovação, por alimentar-se do que está morto. Aqui, sua solidão sugere uma impotência paradoxal, apesar de sua posição como "Rei".
  3. "- mesmo Rei -"

    • Ironia no Poder: O uso das aspas em torno de "Rei" e o travessão sugerem uma ironia. Mesmo que o urubu tenha um status elevado (rei), sua solidão o torna incapaz de realizar algo grandioso, especialmente um "festim diabólico".
    • Crítica ao Isolamento do Poder: O poema parece apontar que, mesmo no poder absoluto, a solidão limita a capacidade de agir. O "Rei" sozinho não pode realizar o espetáculo que o título sugere.
  4. "não faz Festim Diabólico"

    • Coletividade Necessária para o Mal: Este verso final afirma que um grande evento maligno ou destrutivo, como o "festim diabólico", exige mais do que um único agente. Isso reflete a ideia de que a destruição, em grande escala, frequentemente depende de forças coletivas.
    • Subversão de Expectativas: A expectativa de que um "Rei" poderia ser onipotente é desconstruída. A solidão do urubu o torna impotente, incapaz de organizar algo tão impactante quanto o título sugere.

Temas Centrais:

  1. O Isolamento do Poder:

    • O poema critica a ideia de que o poder individual é suficiente para causar grande impacto. Mesmo o "Rei" precisa de outros para concretizar suas intenções, sejam elas diabólicas ou não.
  2. Coletividade e Mal:

    • A ideia de que um "festim diabólico" depende de uma coletividade sugere que o mal, para se manifestar em grande escala, precisa de cooperação e cumplicidade.
  3. Ironia da Grandeza Isolada:

    • O poema apresenta uma visão irônica sobre figuras de poder que, sozinhas, não conseguem realizar grandes ações, questionando o valor do título ou do status sem o apoio de outros.
  4. Vida, Morte e Renascimento:

    • A escolha do urubu como símbolo pode evocar um ciclo de decadência e renovação, mas o poema parece destacar o lado paralisante e impotente da solidão, mesmo em meio à sua associação com a morte.

Estilo e Linguagem:

  1. Economia de Palavras:

    • O poema é conciso e direto, usando poucas palavras para evocar imagens fortes e transmitir uma mensagem complexa.
  2. Ironia e Subversão:

    • A repetição do "mesmo Rei" com o travessão e a negação ("não faz") carregam um tom irônico, que subverte a ideia de grandeza ou soberania absoluta.
  3. Ritmo e Pausas:

    • O uso de travessões e da pausa após "Rei" cria um ritmo reflexivo, permitindo que o leitor contemple a ironia e o significado implícito.
  4. Símbolos Poderosos:

    • O urubu, o Rei e o "festim diabólico" são símbolos ricos em associações, que convidam o leitor a explorar questões de poder, isolamento e coletividade.

Considerações Finais:

"Diabolique" é um poema breve, mas denso, que mistura ironia, crítica social e reflexões existenciais. Ele explora a relação entre poder, isolamento e ação coletiva, subvertendo as expectativas sobre o impacto do indivíduo no contexto do "mal" ou da destruição. Com uma linguagem econômica e simbolismo forte, o poema desafia o leitor a refletir sobre os limites do poder solitário e a complexidade das forças coletivas que moldam o mundo.

10/01/2015

Eu vi

eu vi o mar e o sertão
o amor e o ódio
o cult e o pop
o pâncreas e o coração

eu vi o tempo e o momento
(passado, futuro, presente)
o que mente que nem sente
a felicidade e o tormento

eu vi a insistência e a desistência
o oblíquo e o reto
o chão e o teto
a superfície e a essência

eu vi o zero e o um
o quadrado e o círculo
o ovário e o testículo
a esterilidade e o húmus

eu vi a certeza e a contradição
o visível e o invisível
o silencioso e o audível
no mais... Não vi mais nada não
***
**
*

ANÁLISE

Análise do Poema: "Eu Vi"

O poema "Eu Vi" é uma reflexão poética sobre a amplitude e a dualidade da experiência humana. Através de uma lista de contrastes e oposições, o eu lírico constrói uma narrativa que abrange aspectos físicos, emocionais, culturais e existenciais. Apesar de sua abrangência e riqueza de imagens, o poema termina com uma nota de ironia e desconstrução, revelando a limitação inerente à percepção e ao entendimento humano.


Análise por Estrofes:

  1. Primeira Estrofe:

    • "eu vi o mar e o sertão / o amor e o ódio / o cult e o pop / o pâncreas e o coração"
    • Contrastes amplos: O eu lírico inicia com pares opostos que exploram extremos geográficos ("mar e sertão"), emocionais ("amor e ódio"), culturais ("cult e pop") e corporais ("pâncreas e coração").
    • Universalidade: Essa introdução sugere um olhar abrangente e integrador sobre o mundo, onde os opostos coexistem e se complementam.
    • Ironia Sutil: A presença de "pâncreas e coração" desloca o tom poético para algo mais concreto e biológico, desafiando a expectativa de uma abordagem puramente idealista.
  2. Segunda Estrofe:

    • "eu vi o tempo e o momento / (passado, futuro, presente) / o que mente que nem sente / a felicidade e o tormento"
    • Reflexão sobre o tempo: A inclusão dos três tempos (passado, presente e futuro) indica uma visão temporal ampla, mas o verso seguinte ("o que mente que nem sente") aponta para as contradições humanas, especialmente as emocionais e morais.
    • Emoções contrastantes: "Felicidade e tormento" reforçam o tema dos extremos, mostrando que a experiência humana é sempre multifacetada e ambígua.
  3. Terceira Estrofe:

    • "eu vi a insistência e a desistência / o oblíquo e o reto / o chão e o teto / a superfície e a essência"
    • Movimento e Estática: Os pares "insistência e desistência" e "oblíquo e reto" sugerem tanto esforço quanto resignação, e caminhos tortuosos versus direções claras.
    • Materialidade e Profundidade: A oposição "chão e teto" (dimensões concretas) contrasta com "superfície e essência" (dimensões abstratas), enfatizando a busca pelo significado além do visível.
  4. Quarta Estrofe:

    • "eu vi o zero e o um / o quadrado e o círculo / o ovário e o testículo / a esterilidade e o húmus"
    • Contrastes matemáticos e orgânicos: "Zero e um" evocam a lógica binária, enquanto "quadrado e círculo" remetem a formas geométricas e à dualidade entre perfeição e pragmatismo.
    • Vida e Criação: "Ovário e testículo", assim como "esterilidade e húmus", exploram a dualidade biológica e natural entre potencial criativo e inércia, entre morte e renascimento.
  5. Quinta Estrofe:

    • "eu vi a certeza e a contradição / o visível e o invisível / o silencioso e o audível"
    • Tensões Filosóficas: O poema conclui com oposições mais abstratas, como "certeza e contradição" e "visível e invisível", que questionam a própria percepção e conhecimento humanos.
    • Comunicação e silêncio: "Silencioso e audível" sugere a coexistência de presença e ausência, de som e vazio.
  6. Último Verso:

    • "no mais... Não vi mais nada não"
    • Ironia e Limitação: O fechamento contrasta com a amplitude do que foi descrito antes, trazendo um tom irônico. Apesar de ter visto tantas coisas, o eu lírico admite que talvez isso ainda seja insuficiente ou que a verdadeira essência do "ver" possa ser inalcançável.

Temas Centrais:

  1. Dualidade da Experiência Humana:

    • O poema explora uma série de oposições, mostrando que a existência humana é marcada por contrastes que se complementam e definem mutuamente.
  2. Amplitude e Limitação da Percepção:

    • Embora o eu lírico afirme ter "visto" uma vasta gama de aspectos da vida, o tom final sugere a incapacidade de abarcar tudo, revelando uma tensão entre o desejo de compreensão total e as limitações humanas.
  3. Ironia Existencial:

    • O tom leve e irônico do verso final desdramatiza a busca por sentido, reconhecendo que o conhecimento humano é limitado e que, talvez, não seja necessário entender tudo.
  4. Materialidade e Abstração:

    • O poema transita entre o concreto e o abstrato, explorando tanto a materialidade da vida quanto suas dimensões filosóficas e emocionais.

Estilo e Linguagem:

  1. Estrutura Enumerativa:

    • A construção em forma de lista reflete a tentativa de catalogar o mundo e a experiência, reforçando a ideia de amplitude e variedade.
  2. Uso de Contrastes:

    • Os pares opostos criam tensão e equilíbrio, ressaltando a complexidade da realidade.
  3. Tom Colloquial e Reflexivo:

    • O tom é acessível, mas não banal. A linguagem mistura o cotidiano e o poético, permitindo que o poema seja profundo sem perder a leveza.
  4. Ironia Final:

    • O verso de encerramento quebra a expectativa de grandiosidade, humanizando o eu lírico e revelando sua limitação.

Considerações Finais:

"Eu Vi" é um poema que sintetiza a complexidade da existência humana através de uma série de oposições que abrangem o físico, o emocional, o cultural e o filosófico. Sua linguagem simples, mas carregada de significado, combina introspecção e humor, criando um balanço entre o sublime e o cotidiano. O verso final ironiza a tentativa de abarcar tudo, sugerindo que, apesar de todo o "ver", há sempre algo que escapa à percepção. É uma obra que celebra a riqueza da experiência humana enquanto reconhece a impossibilidade de compreender plenamente a totalidade do mundo.


08/01/2015

incrível
esta sensação letargia
de que não há mais tempo
às portas do infinito
*************************************************************************************
ANÁLISE

Análise do poema:

Este poema, breve e introspectivo, explora a tensão entre o sentimento de imobilidade e a vastidão do infinito. Ele aborda a percepção do tempo e da existência com uma combinação de urgência e paralisia, evocando um estado emocional contraditório, entre a resignação e o assombro.


Análise por Verso:

  1. "incrível"

    • Tom inicial de maravilhamento: A palavra "incrível" abre o poema com um tom de surpresa ou fascínio, criando uma expectativa de algo extraordinário. No entanto, o contraste com os versos seguintes transforma essa "incribilidade" em algo desconcertante ou perturbador.
    • Ambiguidade emocional: A surpresa pode ser tanto positiva quanto negativa, sugerindo a complexidade do estado de espírito do eu lírico.
  2. "esta sensação letargia"

    • Letargia como estagnação: O uso da palavra "letargia" descreve uma sensação de imobilidade ou inércia. A escolha de "sensação" reforça que é algo interno e subjetivo, um estado emocional ou mental.
    • Desconexão temporal: A letargia aqui parece contrariar a noção de movimento e fluxo do tempo, sugerindo que o eu lírico se encontra preso em uma espécie de limbo existencial.
    • Ausência de conectores: A ausência de "de" entre "sensação" e "letargia" dá ao verso um tom truncado e urgente, refletindo o próprio estado de letargia.
  3. "de que não há mais tempo"

    • Urgência paradoxal: Este verso introduz um sentimento de urgência, contrastando com a letargia mencionada antes. A ideia de que "não há mais tempo" intensifica a sensação de iminência ou finitude.
    • Imobilidade diante da urgência: Apesar da consciência de que o tempo acabou ou está acabando, o eu lírico permanece letárgico, evidenciando o paradoxo entre o que se sente e o que se pode fazer.
  4. "às portas do infinito"

    • Vastidão e transcendência: A imagem das "portas do infinito" sugere proximidade com algo imenso, eterno ou transcendente. É um contraste direto com a sensação de falta de tempo, trazendo uma tensão entre a finitude humana e a vastidão universal.
    • Simbologia das portas: As portas podem simbolizar uma transição ou um limiar. Elas indicam que o eu lírico está à beira de algo maior, mas ainda preso em sua condição atual.
    • Temporalidade e imortalidade: A ideia de estar "às portas do infinito" enquanto "não há mais tempo" reflete um choque entre a limitação humana e a eternidade, intensificando o drama existencial do poema.

Temas Centrais:

  1. Tempo e Finitude:

    • O poema explora o contraste entre a percepção de que "não há mais tempo" e a presença do "infinito", destacando a tensão entre a experiência humana limitada e a eternidade.
  2. Letargia e Urgência:

    • A "sensação letargia" contrasta com a consciência de urgência, revelando um estado psicológico de paralisia diante da vastidão do tempo ou do fim iminente.
  3. Limiar Existencial:

    • Estar "às portas do infinito" sugere um momento de transição ou confronto com algo maior que a própria vida, como a morte, a eternidade ou o desconhecido.

Estilo e Linguagem:

  1. Concisão Poética:

    • O poema utiliza poucas palavras para expressar ideias complexas, convidando o leitor a refletir sobre os significados subjacentes e as conexões implícitas.
  2. Contrastes e Paradoxos:

    • A oposição entre letargia e urgência, finitude e infinito, cria um dinamismo interno no poema, refletindo a complexidade emocional e existencial do eu lírico.
  3. Imagens Abstratas:

    • Expressões como "sensação letargia" e "às portas do infinito" evocam ideias abstratas, mas carregadas de simbolismo, permitindo múltiplas interpretações.
  4. Estrutura Aberta:

    • A ausência de pontuação ou conectores lineares dá ao poema um fluxo contínuo, como se as ideias fossem uma sequência de pensamentos ou sensações que se entrelaçam.

Considerações Finais:

Este poema é uma meditação sobre o tempo, a existência e a relação do indivíduo com o infinito. Ele captura a tensão entre a percepção da finitude humana e a vastidão incompreensível do universo. A letargia mencionada no início se torna um reflexo do estado de paralisia diante da grandiosidade do infinito, enquanto o reconhecimento de que "não há mais tempo" enfatiza a fragilidade e a urgência da vida. Apesar de sua brevidade, o poema provoca reflexões profundas, entregando uma experiência poética rica em simbolismo e emoção.

ARS 4

o homem do deserto
ergue cidades no mar
e entristece
ao auscultar
o ronco do jaguar
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ANÁLISE

Análise do poema: "ARS 4"

O poema "ARS 4" evoca imagens fortes e contrastantes para explorar temas como criação, destruição, fragilidade humana e a tensão entre natureza e civilização. Apesar de sua concisão, ele é carregado de simbolismo e oferece múltiplas possibilidades interpretativas, em diálogo com ideias de arte (ars, em latim), cultura e humanidade.


Análise por Versos:

  1. "o homem do deserto"

    • Figura universal: O "homem do deserto" pode ser lido como uma metáfora para a humanidade em sua essência. O deserto simboliza aridez, isolamento e desafios, mas também a vastidão e a possibilidade de transformação.
    • Símbolo de busca: A figura do homem no deserto remete a mitos e narrativas espirituais, onde o deserto é um lugar de prova, meditação e renascimento.
  2. "ergue cidades no mar"

    • Contraste e ambição: Este verso apresenta uma imagem de grandeza e impossibilidade. Construir "cidades no mar" sugere a capacidade humana de superar limites naturais, mas também a fragilidade dessas criações diante da instabilidade do ambiente.
    • Civilização contra a natureza: Há aqui uma reflexão implícita sobre a relação entre o homem e a natureza. Ao construir no mar, o homem desafia forças que estão além de seu controle, ressaltando a precariedade de suas obras.
  3. "e entristece"

    • Fragilidade emocional: A introdução da tristeza humaniza o "homem do deserto", revelando que, mesmo com sua capacidade de criação e transformação, ele está sujeito a angústias e descontentamentos.
    • O peso da consciência: A tristeza pode ser interpretada como um sentimento de inadequação ou insatisfação, mesmo após grandes feitos. Isso reflete a inquietação humana diante do efêmero e do imprevisível.
  4. "ao auscultar"

    • Ato de escuta cuidadosa: O verbo "auscultar" traz à tona uma imagem de introspecção ou atenção profunda. O homem está ouvindo atentamente, como se buscasse entender ou decifrar algo essencial.
    • A escuta da natureza: A escolha do verbo sugere que o homem está tentando compreender o mundo natural ou algo que vai além do tangível.
  5. "o ronco do jaguar"

    • Força da natureza: O "ronco do jaguar" simboliza o poder bruto, indomável e selvagem da natureza. O jaguar, um predador majestoso e misterioso, pode representar tanto ameaça quanto respeito diante do desconhecido.
    • Conflito e medo: O som do jaguar, tão próximo e visceral, contrapõe-se às criações humanas ("cidades no mar"), destacando a tensão entre a fragilidade da civilização e a força primordial da natureza.
    • Espiritualidade e mito: O jaguar é uma figura recorrente em mitologias, especialmente na América Latina, onde simboliza tanto poder espiritual quanto o desconhecido. Aqui, ele pode ser visto como uma lembrança da pequenez humana diante do mundo natural.

Temas Centrais:

  1. Tensão entre Natureza e Civilização:

    • O poema reflete sobre o desejo humano de dominar ou transformar a natureza (cidades no mar) e sua incapacidade de escapar completamente dela (o ronco do jaguar).
  2. Fragilidade Humana:

    • Apesar de suas conquistas e ambições, o homem é retratado como emocionalmente vulnerável e impotente diante de forças maiores.
  3. Criação e Insatisfação:

    • O ato de criar, mesmo quando grandioso, não resolve a angústia existencial. A tristeza do homem reflete a insatisfação intrínseca à condição humana.
  4. Escuta e Reflexão:

    • O poema enfatiza a necessidade de "auscultar" o mundo à sua volta, mas essa escuta traz uma percepção desconfortável: a presença de algo maior e incontrolável.
  5. Conexão com a Arte:

    • O título "ARS" pode remeter à arte como um meio de mediar a relação entre o homem, suas criações e o mundo natural. A tristeza e o conflito talvez sejam parte do próprio processo artístico e criativo.

Estilo e Linguagem:

  1. Economia de Palavras:

    • O poema é enxuto, mas rico em imagens e significados, permitindo ao leitor explorar camadas de interpretação.
  2. Contrastes e Tensão:

    • O contraste entre "deserto" e "mar", "homem" e "jaguar", "cidades" e "ronco" cria uma dinâmica que reforça a tensão central entre o humano e o natural.
  3. Tom Melancólico:

    • O uso de palavras como "entristece" e a imagem do homem ouvindo o jaguar sugerem um tom de resignação e reflexão existencial.
  4. Ritmo e Som:

    • O ritmo do poema flui suavemente, como um pensamento contínuo, mas é interrompido pela força sonora evocada pelo "ronco do jaguar", um elemento disruptivo e visceral.

Considerações Finais:

"ARS 4" é um poema que reflete sobre a condição humana em sua relação com o mundo natural, a ambição criativa e a inevitável melancolia que acompanha a percepção de limites. Ele combina o grandioso e o íntimo, o humano e o selvagem, criando uma obra que dialoga com questões existenciais profundas. A figura do jaguar, como símbolo final, ressalta a presença constante da natureza como força primordial e incontrolável, lembrando o leitor da fragilidade de nossas conquistas diante do infinito e do desconhecido.

ARS 3

jogar pérolas aos porcos
é lançar cacos de palavras
para pés que não sangram
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ANÁLISE

Análise do poema: "ARS 3"

Este poema é uma reflexão concisa e densa sobre a comunicação, o valor da linguagem e a relação entre o emissor e o receptor. Ele utiliza metáforas poderosas para explorar temas como o desperdício do que é precioso, a insensibilidade e o descompasso entre quem cria e quem recebe. O tom crítico e melancólico revela a frustração do eu lírico diante da incompreensão ou indiferença ao que é significativo.


Análise por Verso:

  1. "jogar pérolas aos porcos"

    • Referência ao provérbio: O verso evoca a expressão bíblica "não atireis pérolas aos porcos" (Mateus 7:6), que sugere o desperdício de algo valioso com quem não sabe ou não pode apreciá-lo. As pérolas representam algo precioso, como ideias, sentimentos ou criações.
    • Frustração criativa: Este verso reflete o sentimento de quem oferece algo de grande valor, mas percebe que isso é tratado com indiferença ou desdém.
  2. "é lançar cacos de palavras"

    • Desvalorização da linguagem: Aqui, o poema subverte a metáfora inicial. O que era precioso (pérolas) transforma-se em "cacos de palavras", sugerindo que, ao serem ignoradas ou maltratadas, as palavras perdem seu valor e tornam-se fragmentos sem sentido.
    • Fragmentação: A ideia de "cacos" evoca algo quebrado ou perdido, indicando que a comunicação falha ou não é recebida de forma íntegra.
    • Crítica ao receptor: O verso implica que as palavras, por mais preciosas que sejam, tornam-se inúteis quando não encontram eco ou compreensão no outro.
  3. "para pés que não sangram"

    • Insensibilidade: Os "pés que não sangram" simbolizam aqueles que são insensíveis, indiferentes ou impermeáveis ao impacto das palavras ou do significado. Não há vulnerabilidade, empatia ou abertura para receber o que foi oferecido.
    • Ação inócua: Este verso final reforça a ideia de inutilidade: as palavras, ainda que preciosas ou cortantes como cacos, não têm efeito sobre quem não sente ou não está disposto a sentir.
    • Imagem poderosa: A metáfora dos pés que não sangram sugere uma relação desproporcional entre o esforço de quem lança (pérolas ou palavras) e a incapacidade do outro de ser tocado ou ferido por isso.

Temas Centrais:

  1. Desvalorização da Comunicação:

    • O poema critica a situação em que algo significativo ou precioso é oferecido, mas encontra uma audiência incapaz de apreciar ou entender. É uma metáfora para o vazio da comunicação diante da insensibilidade.
  2. Insensibilidade e Indiferença:

    • Os "pés que não sangram" refletem a indiferença ou a resistência ao impacto das palavras, simbolizando uma humanidade insensível às nuances do que é profundo ou belo.
  3. Frustração Criativa e Existencial:

    • O poema expressa a angústia do criador ou emissor (seja um poeta, artista ou comunicador) diante da sensação de que suas criações caem no vazio ou são subestimadas.
  4. Transformação do Precioso em Insignificante:

    • O movimento do poema, de "pérolas" a "cacos", simboliza a perda de valor ou significado quando algo valioso é tratado com desdém ou incompreensão.

Estilo e Linguagem:

  1. Uso de Metáforas Poderosas:

    • As metáforas de "pérolas aos porcos", "cacos de palavras" e "pés que não sangram" criam imagens densas e provocativas, que carregam o peso emocional e crítico do poema.
  2. Economia de Palavras:

    • O poema é curto, mas concentra camadas de significados, exigindo que o leitor reflita sobre as implicações de cada imagem.
  3. Tom Melancólico e Crítico:

    • Há um tom de resignação e frustração no poema, que reflete tanto a dor do desperdício quanto a crítica à indiferença do receptor.
  4. Estrutura Circular:

    • O movimento de "pérolas" para "cacos" cria uma sensação de circularidade, reforçando a ideia de que o precioso se torna inútil quando tratado com desprezo.

Considerações Finais:

"ARS 3" é um poema que reflete sobre a precariedade da comunicação e a frustração diante da indiferença humana. Ele aborda de forma crítica e melancólica o valor das palavras e a dificuldade de transmitir o que é precioso para uma audiência insensível. A progressão simbólica de pérolas para cacos, culminando nos "pés que não sangram", destaca a tensão entre o criador e o receptor, transformando uma reflexão sobre a arte e a linguagem em uma meditação mais ampla sobre a fragilidade da troca humana.


ARS 2

Morte pura
sono sem sonhos
         sem despertares
         sem memórias
         sem sentidos (assemia)
Esquecimento
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ANÁLISE

Este poema, com sua linguagem sucinta e sua estrutura fragmentada, é uma meditação sombria sobre a morte e o esquecimento. Ele explora a ideia da morte como um estado absoluto de ausência – de sonhos, despertares, memórias e sentidos –, contrapondo-a à vida, que é definida por essas experiências. A escolha de palavras diretas e imagens evocativas reforça o tom existencial, destacando a inevitabilidade do fim e sua incompreensibilidade.


Análise por Partes:

  1. Título: "ARS 2"

    • Ligação com o ciclo "ARS": O termo "ARS", que significa "arte" em latim, sugere que o poema faz parte de uma série sobre a relação entre a criação artística e temas universais. Neste caso, o poema parece abordar a arte de conceber a morte como conceito e experiência.
    • Dualidade da Arte e Morte: O título pode insinuar que mesmo na ausência (a morte), existe uma forma de expressão ou compreensão artística.
  2. "Morte pura"

    • Essência da morte: A escolha da expressão "pura" para descrever a morte sugere uma visão essencialista, em que a morte é reduzida a sua forma mais fundamental, desprovida de metáforas ou ornamentos.
    • Ausência absoluta: A "pureza" aqui implica a completa ausência de vida, sensações ou conexões, como uma contraposição direta à complexidade da existência.
  3. "sono sem sonhos"

    • Metáfora da morte: A morte é comparada a um sono, mas não um sono comum, e sim um estado de inexistência total. A ausência de sonhos elimina qualquer traço de continuidade entre vida e morte.
    • Suspensão da consciência: A metáfora enfatiza a ideia de vazio absoluto, sem as nuances que caracterizam os estados intermediários, como o sonho.
  4. "sem despertares / sem memórias / sem sentidos (assemia)"

    • Acumulação de negações: A repetição do "sem" cria um ritmo que reforça a ausência e o vazio. Cada elemento destacado – despertares, memórias, sentidos – é uma parte essencial da experiência humana que é negada na morte.
    • "(assemia)": A inclusão do termo, que significa "ausência de significado", sublinha a completa desintegração de qualquer conexão semântica, física ou emocional. Não há sentidos físicos ou simbólicos na morte.
    • Desumanização do estado: A enumeração desses elementos ausentes reforça que a morte é um estado completamente alheio à experiência humana.
  5. "Esquecimento"

    • Culminação do vazio: Este verso isolado resume o conceito do poema. O esquecimento não é apenas individual (a perda de memória), mas também universal: a ideia de que a própria existência se dissolve em algo irrelevante ou sem significado.
    • Silêncio absoluto: O esquecimento finaliza o poema com uma nota de irreversibilidade, sugerindo que tudo se perde no ato de morrer.

Temas Centrais:

  1. Ausência Absoluta:

    • O poema reflete sobre a morte como a ausência total de consciência e significado, enfatizando o vazio de experiências humanas, como sonhos, memórias e sentidos.
  2. Desumanização da Morte:

    • A morte é apresentada como um estado que transcende ou exclui tudo o que é humano, reduzindo a existência a um esquecimento puro.
  3. Incompreensibilidade do Fim:

    • A repetição das negações e a inclusão de "assemia" sugerem que a morte é um estado que escapa à compreensão humana, desprovido de qualquer resíduo de significado.
  4. Vazio e Silêncio:

    • O poema cria uma atmosfera de silêncio e vazio, tanto pela escolha de palavras quanto pela estrutura fragmentada e minimalista.

Estilo e Linguagem:

  1. Estrutura Fragmentada:

    • O uso de versos curtos, espaços em branco e enumerações reforça a ideia de interrupção e ausência, criando um ritmo que reflete o tema do poema.
  2. Minimalismo:

    • A linguagem é direta e econômica, com foco em conceitos e palavras que sugerem ausência, como "sem" e "esquecimento".
  3. Termos Técnicos e Filosóficos:

    • A inclusão de "assemia" confere um tom mais reflexivo e abstrato ao poema, sugerindo que o autor está explorando a morte não apenas de forma poética, mas também conceitual.
  4. Tom Sombrio e Contemplativo:

    • O poema carrega um tom de inevitabilidade e aceitação melancólica da morte como algo absoluto e incompreensível.

Considerações Finais:

"ARS 2" é uma meditação poética sobre a morte como a ausência total de experiências e significados. Ele destaca a desconexão radical entre a vida, que é cheia de sentidos, memórias e despertares, e a morte, que dissolve tudo isso. Com uma linguagem enxuta e imagens potentes, o poema convida o leitor a contemplar o vazio final e a dificuldade de dar sentido ao que está além da compreensão humana. O tom melancólico e filosófico transforma o poema em um estudo sobre o silêncio e o esquecimento como a essência do fim.

ARS 1

amor e morte
poder e delírio
casa e pão

equações
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ANÁLISE

Análise do poema: "ARS 1"

"ARS 1" apresenta uma reflexão poética que condensa aspectos essenciais da experiência humana em imagens e conceitos fundamentais. Através de pares simbólicos e econômicos, o poema estabelece uma relação entre opostos e complementos, sugerindo uma espécie de "equação" existencial que combina sentimentos, instintos e necessidades. O título "ARS", que remete à arte em latim, reforça a ideia de que o poema busca encapsular a essência da vida através de uma construção artística minimalista.


Análise por Versos:

  1. "amor e morte"

    • Polaridade fundamental: Este par remete a dois extremos inseparáveis da existência. O amor representa a força criativa, a conexão e o desejo de perpetuação, enquanto a morte simboliza o fim, a separação e o limite da vida.
    • Força dramática: A justaposição de amor e morte é uma referência clássica, encontrada em diversas tradições artísticas e filosóficas, como o conceito freudiano de Eros (vida) e Tânatos (morte). Aqui, ela evoca a coexistência paradoxal dessas forças na condição humana.
  2. "poder e delírio"

    • Tensão entre controle e descontrole: O par "poder e delírio" explora a relação entre a busca por controle (poder) e a perda de controle (delírio). O poder pode ser associado à ordem e à dominação, enquanto o delírio sugere excesso, fantasia ou fuga da realidade.
    • Crítica implícita: A proximidade entre essas palavras pode sugerir uma crítica ou reflexão sobre como o poder frequentemente se transforma em delírio, ou como o delírio é uma forma de lidar com a impossibilidade do controle absoluto.
  3. "casa e pão"

    • Base da sobrevivência: Este par evoca necessidades básicas e concretas da vida: o abrigo (casa) e o sustento (pão). Em contraste com os pares anteriores, mais abstratos, "casa e pão" trazem o poema para o terreno do cotidiano e da subsistência.
    • Humanidade compartilhada: "Casa e pão" também podem ser vistos como símbolos universais de segurança e conforto, remetendo ao que é fundamental para todos os seres humanos.
  4. "equações"

    • Síntese conceitual: Este verso final une os pares anteriores, sugerindo que a vida é composta por essas interações e tensões, como variáveis em uma equação complexa.
    • Arte e racionalidade: A palavra "equações" traz uma dimensão racional e estrutural, indicando que, embora os elementos mencionados sejam abstratos e emocionais, há uma lógica inerente nas relações entre eles.
    • Solução ou insolubilidade: O uso de "equações" pode implicar que a vida é um problema a ser resolvido, mas também pode sugerir que algumas dessas equações são insolúveis, reforçando o mistério e a incerteza da existência.

Temas Centrais:

  1. Dualidade da Vida:

    • O poema explora pares que representam aspectos fundamentais da experiência humana, mostrando como forças opostas coexistem e moldam a existência.
  2. Interconexão entre Abstrato e Concreto:

    • Enquanto "amor e morte" e "poder e delírio" lidam com conceitos abstratos e emocionais, "casa e pão" trazem a concretude das necessidades diárias. Isso sugere que a vida é composta por uma interação entre o transcendental e o material.
  3. A Vida como Arte e Lógica:

    • O título "ARS" e o verso "equações" reforçam a ideia de que a vida pode ser vista tanto como uma criação artística quanto como um sistema lógico de interações e tensões.
  4. A Fragilidade e a Complexidade da Existência:

    • O poema reconhece que os elementos que compõem a vida são ao mesmo tempo simples em sua essência e intrincados em suas interações, como variáveis de uma equação impossível de resolver completamente.

Estilo e Linguagem:

  1. Minimalismo e Concisão:

    • O poema é extremamente econômico em palavras, mas rico em significado, deixando espaço para o leitor preencher as lacunas interpretativas.
  2. Uso de Pares Contrapostos:

    • A estrutura baseada em pares cria um ritmo binário e simétrico, refletindo a ideia de equilíbrio e oposição que permeia o poema.
  3. Síntese no Verso Final:

    • A palavra "equações" age como um fechamento conceitual, sintetizando os elementos mencionados e conferindo ao poema uma dimensão reflexiva e analítica.
  4. Tonalidade Universal:

    • Os temas abordados são universais e acessíveis, conectando-se a experiências humanas fundamentais e transcendendo contextos específicos.

Considerações Finais:

"ARS 1" é um poema que, apesar de sua brevidade, abrange uma vasta gama de reflexões sobre a existência humana. Ele combina a dualidade essencial da vida com a simplicidade das necessidades básicas, sugerindo que o ser humano vive em um constante equilíbrio entre forças opostas e complementares. A palavra "equações" sugere que essas interações são estruturais e universais, mas não necessariamente resolvíveis, reafirmando a complexidade e o mistério da vida. A combinação de elementos abstratos e concretos, emocionais e racionais, faz deste poema uma meditação rica e multifacetada sobre a arte de viver.

04/01/2015

Antes de falar, pense
Antes de escrever, pense twice
Antes de comunicar, respeite
                         (o interlocutor)
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ANÁLISE

Este poema aborda a comunicação humana com um tom direto e reflexivo, destacando a importância da responsabilidade no uso da linguagem. Ele propõe uma abordagem consciente antes de falar, escrever ou comunicar, enfatizando a necessidade de reflexão e respeito, especialmente ao considerar o impacto sobre o interlocutor. A estrutura simples e o uso de recursos como repetição e interrupção visual (no parêntese) reforçam a mensagem central.


Análise por Verso:

  1. "Antes de falar, pense"

    • Reflexão antes da fala: O verso inicial introduz a necessidade de pensar antes de verbalizar algo, sugerindo uma pausa reflexiva. Essa ideia ressoa com a sabedoria popular sobre a importância de considerar as palavras antes de proferi-las.
    • Foco na oralidade: "Falar" aqui representa a comunicação espontânea, que muitas vezes é feita sem a devida reflexão. O poema sugere um esforço consciente para evitar impulsividade.
  2. "Antes de escrever, pense twice"

    • Ênfase na escrita: O verso amplia a ideia inicial para incluir a escrita, que, por ser mais deliberada, exige ainda mais reflexão ("pense twice").
    • Uso do inglês: A inclusão do inglês ("twice") provoca uma interrupção na fluidez da leitura e destaca a importância da repetição do pensamento. Além disso, pode ser lida como uma referência ao contexto global da comunicação contemporânea, em que a escrita atinge públicos amplos e diversificados.
  3. "Antes de comunicar, respeite"

    • Respeito como princípio da comunicação: Este verso centraliza o papel do respeito no ato de comunicar. A palavra "comunicar" engloba tanto falar quanto escrever, ampliando o escopo da reflexão para todas as formas de interação.
    • Ética na interação: O respeito aqui é fundamental para estabelecer um diálogo saudável, sugerindo que a comunicação não é apenas uma questão de transmitir ideias, mas de considerar o outro.
  4. "(o interlocutor)"

    • Interrupção visual e foco no outro: O uso do parêntese coloca "o interlocutor" como um elemento destacado, chamando a atenção para quem recebe a mensagem. O formato visual reforça que o interlocutor está no centro do ato de comunicar.
    • Empatia e alteridade: Ao enfatizar o destinatário da comunicação, o poema sublinha a importância da empatia e do reconhecimento do outro como sujeito digno de consideração.

Temas Centrais:

  1. Reflexão e Consciência na Comunicação:

    • O poema destaca a necessidade de pensar antes de falar ou escrever, promovendo uma comunicação mais consciente e ponderada.
  2. Respeito e Ética:

    • A ideia de respeitar o interlocutor reflete uma preocupação ética, reconhecendo que a comunicação tem impacto emocional, social e relacional.
  3. Responsabilidade Linguística:

    • O poema sugere que a linguagem não é neutra e que sua utilização requer responsabilidade, pois as palavras podem construir ou ferir.
  4. Empatia e Alteridade:

    • A inclusão do "interlocutor" no final reforça a centralidade do outro na comunicação, promovendo um olhar empático e cuidadoso.

Estilo e Linguagem:

  1. Estrutura Direta:

    • O poema utiliza frases curtas e imperativas, criando um tom instrutivo e reflexivo. A simplicidade do estilo torna a mensagem acessível e clara.
  2. Repetição e Progressão:

    • A repetição de "Antes de" cria um ritmo que reforça a ideia de preparação e pausa reflexiva antes de qualquer ação comunicativa.
  3. Contraste Visual:

    • O uso do parêntese no último verso cria um contraste visual, isolando "o interlocutor" como elemento central e enfatizando a ideia de que toda comunicação deve considerar o outro.
  4. Intertextualidade com Sabedoria Popular:

    • A frase inicial ("Antes de falar, pense") e sua expansão nas linhas seguintes dialogam com provérbios e ensinamentos populares, modernizando-os ao incluir a escrita e a comunicação em geral.

Considerações Finais:

Este poema é um convite à reflexão ética sobre a comunicação. Com uma estrutura simples e direta, ele aborda a necessidade de pensar e respeitar antes de falar ou escrever, enfatizando o impacto das palavras sobre o outro. A inclusão do inglês e do parêntese acrescenta camadas de significado, destacando tanto a repetição do pensamento quanto o foco no interlocutor. Em tempos de comunicação rápida e muitas vezes impulsiva, o poema atua como um lembrete poderoso da importância de responsabilidade, empatia e cuidado na interação humana.