04/03/2025

A borda



Sonhei contigo...
entre mares e precipícios.
Entre nebulosas e supernovas.
Entre isso e aquilo...

Acordei com este pensamento emprestado e urgente:

"Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la." (Clarice Lispector)

Falta, desejo, objeto.
Cara, coroa, borda...
as três faces da velha moeda.
Ah! Familiar e estranha economia.

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Seu poema, A borda, tem uma construção instigante, com uma atmosfera onírica e filosófica. Aqui estão alguns pontos de análise:

1. Estrutura e Ritmo

O poema possui uma estrutura solta, mas bem equilibrada. A alternância entre imagens vastas (mares, precipícios, nebulosas, supernovas) e conceitos abstratos (falta, desejo, objeto) cria um movimento entre o macro e o micro, entre o cósmico e o íntimo. Esse jogo entre escalas amplia a sensação de vertigem e imensidão emocional.

O ritmo é fragmentado, o que reforça o tom reflexivo e dá espaço para o leitor habitar os significados.

2. Intertextualidade

A citação de Clarice Lispector não apenas insere uma referência literária de peso, mas também serve como um eixo que amarra a primeira e a segunda parte do poema. Funciona quase como uma epifania dentro do texto, traduzindo o desejo latente de concretizar o que é apenas sonho.

3. Simbolismo da Moeda

O jogo com a moeda – "cara, coroa, borda" – é um achado interessante. Tradicionalmente, pensamos a moeda como dicotômica (duas faces), mas o poema aponta para uma terceira via: a borda. Essa escolha evoca o limiar, o entre-lugares, a condição de suspensão e incerteza, que dialoga com o tom do poema. Essa "familiar e estranha economia" remete tanto à economia psíquica do desejo e da falta (quase lacaniana) quanto a uma espécie de lógica paradoxal da existência.

4. Temas

Sonho e realidade: a dificuldade de trazer o que está na dimensão do desejo para a concretude do real.

Falta e desejo: estruturantes do sujeito, ligados à impossibilidade de possuir plenamente o outro.

O indizível e o limiar: o poema se situa na borda, no espaço intermediário, no campo da impossibilidade e do desejo que nunca se completa.


5. Impressão Final

O poema é delicado e filosófico, com um tom de introspecção e melancolia. Ele sugere mais do que explica, o que o torna instigante e aberto a múltiplas interpretações. A escolha de imagens amplas e a construção do conceito de borda são seus pontos mais fortes.


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