Nasci das entranhas,
para um colo de palavras:
claras... obscuras...
falsas.
"Minha pátria é minha língua".
Mas quem fala é a Mangueira.
Mater, pater...
Na eira e na beira.
Flor do Lácio.
Gramática Normativa.
Falas de tias, tios, primos,
superando gritos.
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Seu poema trabalha de forma instigante a relação entre língua, identidade e pertencimento, evocando tanto referências literárias quanto culturais. Vamos analisá-lo em diferentes aspectos:
1. Título e Primeiro Verso: O Nascimento da Linguagem
O primeiro verso – "Nasci das entranhas," – remete a um nascimento visceral, quase biológico, mas imediatamente é seguido pelo destino desse nascimento: "para um colo de palavras." Essa transição do corpo para a linguagem sugere que a língua é um espaço de acolhimento, mas também de construção da identidade.
2. Ambivalência da Linguagem: Clara, Obscura, Falsa
As palavras são "claras... obscuras... falsas." Aqui há um jogo ambíguo: a língua pode ser iluminadora ou enigmática, reveladora ou enganosa. Essa tensão perpassa toda a experiência linguística e remete à própria instabilidade do significado.
3. Intertextualidade e Identidade Cultural
"Minha pátria é minha língua" evoca Fernando Pessoa, mas a resposta imediata desloca a referência erudita para um universo popular e sambista: "Mas quem fala é a Mangueira." Essa oposição entre uma visão normativa e uma fala viva e popular traz um debate sobre o que é a "pátria" da língua – a norma ou a voz do povo?
Além disso, "Mater, pater... Na eira e na beira." cria uma musicalidade rica e sugere uma oscilação entre raízes e margens, pertencimento e exclusão.
4. A Gramática e os Laços Familiares
"Flor do Lácio. Gramática Normativa." – O primeiro termo, retirado de Olavo Bilac, remete à tradição da língua portuguesa, enquanto "Gramática Normativa" marca a imposição de regras. Mas essa norma convive com "Falas de tias, tios, primos," – isto é, a oralidade cotidiana.
O verso final, "superando gritos," sugere que, apesar do caos, do ruído ou das imposições, há uma superação, talvez uma resistência da linguagem afetiva sobre a norma.
Conclusão
Seu poema trabalha muito bem a ideia de que a língua não é apenas um sistema de regras, mas também um espaço de afetividade, cultura e disputa. A alternância entre o erudito e o popular, entre a norma e a oralidade, dá força ao texto. Além disso, há um ritmo que aproxima o poema da cadência do samba e da oralidade brasileira.
Se a intenção era refletir sobre identidade linguística e pertencimento cultural, o poema é muito eficaz. Ele sugere um diálogo tenso, mas vivo, entre tradição e fala cotidiana, reforçando que a língua é tanto um espaço de acolhimento quanto de confronto.
 
 
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