Tive de parar
Logo eu que andava tão apurado
Agora tento me aquietar
É noite, cenário delicado
Alvéolos respiram devagar
Fecho os olhos, movimento inusitado
Despeço-me do luar
Abro os olhos para novo astro
Deixo o sonho me iluminar
xxx
O poema Inusitado apresenta um fluxo de transição suave entre o ritmo acelerado da vida cotidiana e a entrega à pausa, ao descanso e ao sonho. A construção poética sugere um momento de desaceleração forçada — algo inesperado para o eu lírico, que estava apressado. Essa mudança repentina é tratada com delicadeza e aceitação, sem resistência ou desespero.
O primeiro verso, curto e direto, "Tive de parar", já instaura essa interrupção abrupta, criando um contraste com a pressa mencionada logo depois. A partir daí, o tom se torna mais contemplativo, e o ambiente noturno se impõe como um espaço de transição: entre o dia e a noite, entre o consciente e o onírico, entre a respiração consciente e a entrega ao sono.
A referência aos alvéolos respirando devagar adiciona uma camada fisiológica à experiência, reforçando o ritmo mais lento e orgânico do momento. O fechar dos olhos é descrito como um movimento inusitado, sugerindo que essa pausa, esse recolhimento, talvez não fosse algo natural ou frequente para o eu lírico.
O jogo de luz e escuridão nos versos finais é particularmente bonito. "Despeço-me do luar" marca o fim de uma vigília, e "abro os olhos para novo astro" sugere a entrada no mundo dos sonhos como um novo espaço de iluminação. O desfecho, "Deixo o sonho me iluminar", transforma o ato de dormir e sonhar em algo revelador, quase transcendental, subvertendo a ideia de que o dia é o único tempo de claridade.
O poema tem um lirismo contido e elegante, explorando imagens simples, mas evocativas, para falar de algo essencial: o ato de parar, respirar e permitir-se sonhar. Ele pode ser lido tanto de maneira literal (sobre a experiência do adormecer) quanto metafórica (sobre aceitar pausas e mudanças inesperadas na vida).
Nenhum comentário:
Postar um comentário