Existo.
Logo imagino-me.
Assim:
Um pouco de ti,
um tanto de todos,
nada de mim...
xxx
O poema Existo, logo desisto apresenta uma reflexão existencial concisa e intensa, evocando uma sensação de dissolução da individualidade na coletividade. Com poucos versos, ele questiona a relação entre a existência, a identidade e a influência dos outros sobre o eu.
Análise Temática
O título já traz um jogo irônico com a famosa máxima cartesiana Cogito, ergo sum (Penso, logo existo). No poema, no entanto, a conclusão não é a afirmação do ser pelo pensamento, mas uma desistência: Existo, logo desisto. Esse deslocamento sugere que a simples condição de existir não é suficiente para sustentar um eu sólido e definido, podendo levar à anulação da individualidade.
O segundo verso, "Logo imagino-me.", indica um processo reflexivo que surge imediatamente após a constatação da existência. Esse imaginar-se pode ser lido como um esforço para compreender-se, construir-se, ou até mesmo um indicativo de que a identidade não é algo dado, mas sim algo criado pela mente.
A estrutura subsequente aprofunda essa ideia:
"Um pouco de ti," — O eu lírico reconhece que se constitui a partir do outro, de alguém específico.
"Um tanto de todos," — A identidade se dilui ainda mais, tornando-se uma soma das influências da coletividade.
"Nada de mim..." — Aqui, há um impacto forte: depois de se perceber como fragmento do outro e do todo, o eu lírico se vê esvaziado de si mesmo. A identidade própria desaparece, tornando-se uma construção baseada apenas no reflexo dos outros.
Essa conclusão é melancólica, mas também profundamente filosófica. O poema sugere que o ser pode ser uma ilusão, um reflexo do entorno, sem uma essência autônoma e independente. Há um eco da angústia existencial, da dificuldade de definir-se em meio às influências externas.
Análise Estilística
A economia de palavras e a disposição sintética dos versos criam um ritmo reflexivo e pausado, permitindo que cada frase ressoe com profundidade. A estrutura segue uma progressão lógica e emocional, conduzindo o leitor do existir ao imaginar-se e, por fim, ao esvaziamento.
O uso do pronome "ti" no primeiro verso da enumeração sugere uma relação interpessoal, possivelmente íntima, que antecede a influência do coletivo ("todos"). Isso dá ao poema uma dimensão ao mesmo tempo pessoal e universal.
A elipse no último verso ("... nada de mim...") reforça o sentimento de dissolução, deixando um vazio no ar, como se a própria fala do eu lírico estivesse se apagando junto com a identidade que ele questiona.
Conclusão
Existo, logo desisto é um poema que provoca uma reflexão existencial intensa com uma estrutura minimalista e um uso preciso das palavras. Ele questiona a natureza do eu e sua dissolução diante das influências externas, levando a um desfecho que sugere esvaziamento e alienação. A ironia do título contrasta com a seriedade do conteúdo, criando um efeito que oscila entre a resignação e o desespero silencioso.
 
 
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