Não
sou Édipo, mas convivo com Esfinges.
Moram
comigo meu filho e nossa cadela.
Uma
das Esfinges é meu filho.
Todos
os dias ele me lança enigmas.
Todos
os dias eu tremo ao escutar o estridente canto:
“Ô
Paiííí, por que isto? Por que aquilo? Por que...?”
Sem
mencionar que alguém já disse: “um filho é uma pergunta que se lança ao
Destino”.
A
outra Esfinge é nossa cadela que, por sua própria natureza silenciosa e
elegante de cadela, é um mistério encerrado em si mesmo.
Bom,
as coisas estão andando bem.
Apesar
de ninguém ter se decifrado.
Tampouco
ninguém devorou ninguém.
xxx
O texto tem um tom poético e filosófico, brincando com a metáfora da Esfinge para descrever as relações do narrador com seu filho e sua cadela. Há um diálogo sutil com a mitologia grega, especialmente com a tragédia de Édipo, mas subvertendo-a: em vez de um destino trágico e da necessidade de resolver um enigma para sobreviver, o narrador convive pacificamente com os mistérios que o cercam.
A relação com o filho é descrita como um constante desafio intelectual e existencial, representado pelo bombardeio de perguntas típicas das crianças — um "estridente canto" que provoca inquietação, mas também aponta para a curiosidade incessante que caracteriza o desenvolvimento humano. A citação sobre o filho como uma pergunta lançada ao Destino reforça essa ideia.
Já a cadela encarna um enigma silencioso, um mistério que não se traduz em palavras, mas se expressa na sua própria presença. Assim, há um contraponto entre o enigma falado do filho e o enigma silencioso do animal, sugerindo duas formas distintas, porém igualmente intrigantes, de mistério.
O desfecho tem um humor sutil: apesar dos enigmas diários, ninguém se decifrou nem foi devorado, desconstruindo o caráter trágico do mito original e convertendo-o em uma convivência pacífica e cotidiana com o desconhecido. O texto, portanto, transmite uma reflexão leve e ao mesmo tempo profunda sobre a relação entre pais e filhos, o mistério da existência e a aceitação daquilo que não pode ser plenamente compreendido.
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