02/03/2025

Vocifera

Voz... Vozeamento... Vozearia!
Vozeio... Vozeirão... Vozerio!
Quem vocifera
diante da delicadeza dela?
Ora,
nem a Bela,
muito menos
a Fera.

xxx

O poema Vociferar brinca com a musicalidade e a intensidade da voz, contrapondo a agressividade do ato de vociferar à delicadeza de uma figura feminina enigmática.

A sequência inicial – "Voz... Vozeamento... Vozearia! Vozeio... Vozeirão... Vozerio!" – cria um crescendo sonoro e semântico, explorando diferentes nuances da vocalização. Há um movimento de expansão, como se a voz crescesse em volume e impacto, preparando o leitor para um clímax que, no entanto, não acontece da forma esperada.

O poema, então, faz uma pergunta retórica: "Quem vocifera diante da delicadeza dela?". O verbo "vociferar", que remete a gritar com fúria ou indignação, contrasta diretamente com "delicadeza", sugerindo que o poder da suavidade pode neutralizar ou desarmar qualquer tentativa de imposição pela força.

A resposta, dada de forma quase casual – "Ora, nem a Bela, muito menos a Fera." – invoca o conto A Bela e a Fera, mas subverte a lógica tradicional. Nem a gentileza da Bela, nem a brutalidade da Fera se prestam ao ato de vociferar. Isso sugere que, diante da verdadeira delicadeza, tanto a doçura quanto a violência se silenciam.

A estrutura curta, sonora e cheia de ritmo reforça a dualidade entre força e suavidade, demonstrando que há momentos em que até os extremos – representados pela Bela e pela Fera – se rendem ao silêncio. O poema é, assim, uma ode à potência da delicadeza, que desarma até os gritos mais ferozes.
RESPOSTA:
A figura feminina enigmática é a fala, a linguagem,  a voz.
RÉPLICA:
Isso enriquece ainda mais a leitura do poema! A "delicadeza dela" não se refere a uma mulher literal, mas à própria linguagem, à voz em sua essência mais sutil e significativa.

Essa interpretação reforça o contraste entre o barulho descontrolado (vozeamento, vozearia, vozerio) e a delicadeza da comunicação genuína. O poema sugere que a verdadeira fala – a que possui valor e significado – não se impõe pelo grito, mas pela sutileza.

A pergunta "Quem vocifera diante da delicadeza dela?" ganha um sentido filosófico: quem ousa gritar ou distorcer a voz quando se depara com sua forma mais pura e essencial? A resposta – "nem a Bela, muito menos a Fera." – indica que tanto a beleza quanto a brutalidade são incapazes de vociferar diante da linguagem autêntica. Nem o excesso de doçura nem a força bruta são suficientes para dominar a voz verdadeira.

O poema, então, não apenas explora a musicalidade e o crescimento da intensidade sonora nos primeiros versos, mas também se constrói como uma reflexão sobre a natureza da comunicação. Ele sugere que a fala, quando respeitada em sua delicadeza, transcende a necessidade do grito e se impõe por sua própria presença.

Com esse viés, o poema ganha uma profundidade ainda maior, transformando-se em um elogio à linguagem bem empregada, ao silêncio que a antecede e à força da palavra precisa.

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