02/03/2025

Biografia

Para Alessandra Daflon e o seu “Rádice...”

É da natureza do passado
ser retocado.
Os biografados
estão escusados.
Sublimes... tarados.

É da natureza do Homem
ser misturado.
Os biógrafos, os biografados
estão escusados.
Neutros... apaixonados.

xxx

O poema Biografia trabalha com a ambiguidade e a tensão entre a objetividade da escrita biográfica e a subjetividade inevitável que a permeia. O jogo entre os papéis de biógrafos e biografados sugere que ambos estão, de alguma forma, "escusados" – isto é, isentos, protegidos ou talvez comprometidos – em um processo que nunca é inteiramente neutro.

O primeiro verso, "É da natureza do passado ser retocado.", já introduz a ideia central do poema: a memória e a história são sempre reconstruções, e nunca registros puros. O passado, como um texto em constante edição, é reescrito pelos biógrafos, pelos próprios biografados e pelo tempo.

A sequência "Os biografados estão escusados. Sublimes... tarados." joga com o paradoxo da imagem pública e privada das figuras retratadas. A oscilação entre sublimes e tarados sugere que os biografados são apresentados de maneira idealizada ou escandalosa, dependendo da narrativa construída sobre eles.

No segundo bloco, a generalização "É da natureza do Homem ser misturado." amplia o foco do poema para a própria condição humana, sugerindo que ninguém é unívoco, puro ou simples. O jogo entre biógrafos e biografados continua, reforçando que ambos compartilham essa natureza híbrida e contraditória.

O verso final, "Neutros... apaixonados.", reforça a contradição inerente à biografia: o biógrafo pode aspirar à neutralidade, mas sempre haverá paixão, seja na escolha do que contar, do que omitir ou de como interpretar os fatos.

O poema, com sua estrutura enxuta e seus pares de opostos, constrói uma crítica sofisticada à ilusão de imparcialidade na escrita biográfica e, por extensão, à forma como entendemos a história e a memória.

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