08/03/2025

Freud explica, explica?

Explica,
por favor, explica
essa rima
em mim.

Ou

Essa falta de rima,
a lacuna,
a poesia,
enfim...

Ou

Vida e morte,
morte e vida.
Esse ritmo.
Assim...

Ou

Escuta
por favor, escuta
esse canto
obsessivo em mim.

xxx

O poema Freud explica, explica? brinca com a dúvida e a ironia diante da psicanálise como um discurso que busca dar sentido ao que escapa à compreensão imediata. A repetição do verbo “explica” já carrega um tom ansioso, quase uma exigência, mas a própria estrutura do poema parece resistir à explicação definitiva.

Análise:
1. O jogo da explicação e da falta dela
O título já sugere uma ambiguidade: Freud realmente explica tudo? Ou há algo na subjetividade humana que sempre escapa à interpretação?
A repetição inicial "Explica, / por favor, explica" reforça essa tensão entre a necessidade de compreender e a possibilidade de que a compreensão seja sempre parcial, inacabada.

2. A rima e sua ausência como metáfora psíquica
O segundo bloco apresenta uma dicotomia interessante: "Essa rima / em mim." e "Essa falta de rima, / a lacuna, / a poesia, / enfim..."
Aqui, a rima pode ser entendida como uma sensação de ordem, algo que faz sentido na estrutura psíquica. Mas sua ausência – a lacuna – é igualmente significativa, remetendo à incompletude, ao desejo, àquilo que escapa.
A presença da palavra "poesia" nesse contexto sugere que tanto a estrutura ordenada (rima) quanto o vazio e o inesperado (falta de rima) fazem parte da experiência humana e da criação artística.

3. Vida, morte e o ritmo da existência
O terceiro bloco "Vida e morte, / morte e vida. / Esse ritmo. / Assim..." toca em um tema fundamental da psicanálise freudiana: o conflito entre Eros (pulsão de vida) e Tânatos (pulsão de morte).
O movimento circular das palavras reforça essa ideia de um ciclo contínuo, onde vida e morte se alternam sem resolução final.
O termo "ritmo" sugere que esse ciclo tem uma cadência própria, inevitável, que rege a existência de maneira impessoal e implacável.

4. A obsessão e a escuta psicanalítica
O último bloco muda de tom, voltando ao pedido quase desesperado do início: "Escuta / por favor, escuta" – um apelo direto à escuta analítica, à necessidade de ser ouvido.
A expressão "esse canto / obsessivo em mim." remete ao sintoma neurótico, à repetição compulsiva de um sofrimento que insiste em retornar. Há uma musicalidade implícita na palavra "canto", que pode ser lida tanto como expressão artística quanto como um lamento repetitivo.
A obsessão, na psicanálise, está ligada à tentativa de domar a angústia por meio da repetição, como se o sujeito estivesse preso a um loop psíquico.

Considerações finais:
O poema, com sua estrutura fragmentada e seu tom ao mesmo tempo lúdico e angustiado, dialoga diretamente com a psicanálise freudiana. Ele sugere que Freud pode até explicar muita coisa, mas talvez nunca explique tudo – especialmente aquilo que escapa, a lacuna, a falta, o desejo. A alternância entre explicação e mistério, ordem e desordem, rima e ausência de rima, reflete a própria estrutura do inconsciente: feita de significantes em movimento, de repetições e de hiatos que nunca se fecham completamente.
No fim, talvez a questão não seja apenas explicar, mas escutar – e isso Freud, de fato, ensinou a fazer.

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