Fiquei
louco
vocês
podem me internar.
Ando
a lembrar do que não existiu,
tenho
saudades do que não vivi.
Falo no silêncio,
calo ao falar.
Procuro
braços para caminhar,
pernas
para abraçar...
Ah!
E eu morri...
Só que fui vivo o
bastante para nãolhes avisar!
xxx
O poema Louco morto-vivo apresenta uma atmosfera marcada pela contradição e pela alienação subjetiva, elementos que evocam tanto um possível delírio quanto uma reflexão existencial profunda. A construção do eu lírico se dá por meio de paradoxos e inversões, sugerindo uma desconexão com a realidade ou uma forma de percepção que transcende o senso comum.
Análise temática
O título Louco morto-vivo já antecipa a tensão entre estados opostos: loucura e sanidade, vida e morte. O poema se estrutura em torno dessa dualidade, reforçando a ideia de um sujeito que habita uma zona liminar entre opostos.
1. A loucura como ruptura
"Fiquei louco / vocês podem me internar."
O início direto e incisivo sugere um reconhecimento da própria condição, mas também um desafio à normatividade. A "loucura" pode ser lida tanto no sentido clínico quanto como um afastamento das convenções sociais e lógicas ordinárias.
2. A memória do impossível
"Ando a lembrar do que não existiu, / tenho saudades do que não vivi."
O paradoxo expõe uma subjetividade que se recusa a se ater ao real empírico. O desejo e a lembrança se misturam, revelando um anseio por algo que nunca foi experimentado — uma nostalgia do inexistente.
3. A inversão das funções comunicativas e corporais
"Falo no silêncio, / calo ao falar."
"Procuro braços para caminhar, / pernas para abraçar..."
Aqui, o poema adentra um terreno surrealista, onde os sentidos e funções do corpo são transpostos. A linguagem, que deveria ser um meio de expressão, se torna contraditória: o silêncio se torna fala e a fala se torna silêncio. Essa inversão sugere tanto uma falha na comunicação quanto um modo de expressão que transcende o convencional. O deslocamento das funções dos membros corporais também remete a uma desconstrução do próprio corpo e da identidade.
4. A morte como revelação silenciosa
"Ah! E eu morri... / Só que fui vivo o bastante para não / lhes avisar!"
O desfecho traz um tom irônico e impactante. A morte aqui não parece ser literal, mas sim um afastamento radical da realidade compartilhada. O eu lírico experimenta uma espécie de morte em vida, mas mantém para si essa percepção, talvez como um último ato de autonomia.
Interpretação psicanalítica
Do ponto de vista psicanalítico, o poema pode ser interpretado como uma expressão de descontinuidade do ego, algo comum na psicose ou em estados de grande sofrimento psíquico. A fragmentação da experiência e a inversão das funções do corpo podem indicar um rompimento com a realidade, enquanto a última estrofe sugere uma espécie de gozo na alienação — ele "morre", mas não compartilha isso com os outros, preservando sua verdade interna.
Alternativamente, o poema também pode ser lido como uma meditação existencialista sobre a identidade e a alienação. O eu lírico não pertence ao mundo dos vivos nem ao dos mortos, mas habita uma espécie de interstício, onde a loucura é tanto uma maldição quanto uma forma de lucidez.
Conclusão
Louco morto-vivo é um poema que desafia a lógica tradicional e propõe uma experiência subjetiva intensa e paradoxal. A linguagem fragmentada e os paradoxos reforçam um sentimento de estranhamento, tornando a leitura ao mesmo tempo inquietante e fascinante.
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